sexta-feira, 19 de junho de 2009

USP – O Gueto paulista da insurreição

Leandro Altheman

Lembro-me com saudade da Praça da Torre do Relógio – espécie de marco zero na Cidade Universitária.

Ao redor dele podia-se ler: “No Universo da Cultura o Centro está em Toda Parte”.

A USP era para mim, assim como para muitos uma espécie de refúgio para a aridez de São Paulo. Em todos os aspectos. A grande quantidade de áreas verdes, os espaçosos vazios entre os prédios públicos, museus, cinemas e teatros – um grande contraste com o restante da cidade: um emaranhado claustrofóbico de tráfego pesado, becos escuros e violência urbana. Muita gente sentia uma espécie de “culpa” de estar ali, quando o resto da cidade fedia a enxofre.

Mas não eram apenas os espaços arejados na Cidade Universitária. As idéias também o eram, como aliás sempre o foram. Na década de 90 o neoliberalismo estava a todo vapor e era difícil em qualquer lugar, encontrar opositores a ele. Na USP, contudo, havia sempre a resistência. Os insurretos estavam lá de todas as matizes. Haviam socialistas, comunistas e embora os petistas fossem alí maioria, havia ainda outros grupos trotskistas, mais ou menos organizados em partidos e facções. Os anarquistas eram uma minoria barulhenta. Eram poucos mais estavam em toda parte. Na época eles preenchiam um certo vazio deixado pela falta de uma teoria que explicasse as coisas a partir de um ponto de vista contemporâneo. Diziam apenas: “Se Rebelar é preciso!” Acabei não me definindo por nenhum grupo. Tinha apenas a convicção de ser de esquerda e apoiava qualquer manifestação anti-neoliberal. Minhas idéias não estavam claras, mas tinha certeza daquilo que não queria.

Assim foi na ocasião em que o então Ministro da Educação, Paulo Renato, foi visitar a USP. Discutia-se a privatização das universidades, com o argumento pífio de que apenas os estudantes de escolas particulares conseguiam entrar na universidade. Só esqueciam de dizer que o ensino fundamental também deveria ser responsabilidade do estado.

A reitoria foi cercada. Nunca vi tantas cores e bandeiras juntas. Vermelhas, Negras, Verde-Amarelas. Todas protestavam contra a política “Poncio Pilatos”(lavo minhas mãos) de FHC e de seu ministro.

Mas sabíamos ser uma exceção. Uma honrosa exceção é verdade, mas sabíamos ser uma pequena minoria, na caótica megalópole.

Hoje felizmente os tempos são outros. A exceção fortaleceu-se e pode vir a tornar-se regra. A crise financeira do capitalismo mundial reascende as chamas da esperança de um novo socialismo. Na América Latina florescem os regimes de Evo Morales e Hugo Chavez, que apesar de todos os seus problemas, propõem uma alternativa ao atual sistema. No Brasil, embora Lula não tenha rompido de todo com o neoliberalismo, a mudança de rumos é visível, é perceptível (não se pode mudar a direção de um trem ou de um navio abruptamente, correndo-se o risco de perder totalmente o controle. Esta é uma lei da física, a Inércia).

Quando vejo hoje a universidade toda embandeirada, em uma insurreição contra o neoliberalismo tucano que manda e desmanda em São Paulo, sinto orgulho de ter feito parte desta história. Ainda que o Ministro Gilmar Mendes diga que meu diploma não vale bulhufas, a experiência social e política, dentro de uma universidade, mais do que mesmo a sala de aula, me preparou para o exercício da profissão.

Não apenas aceitando os “fatos” pintados pela grande imprensa, como o rebanho conduzido pelo chicote, pelo, laço e pelo berro (coisas que o ministro pecuarista conhece bem), mas com o senso crítico, a visão capaz de discernir os contornos de todas as coisas (não é a toda que a Coruja, símbolo da sabedoria, goste de fazer o seu ninho na Torre do Relógio).

Ainda hoje vejo em meus olhos os campos floridos da USP, com a Torre do Relógio ao Centro. Vem em minha mente a música de Bob Dylan imortalizada por Jimi Hendrix: All Along the Watchtower (todos ao redor da Torre do Relógio). Uma música que inspira a insurreição, a sadia capacidade do inconformismo, enquanto o vento da mudança sopra em nossos cabelos.

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