quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Mariátegui: Pensador do Socialismo Indígena

Leandro Altheman


A idéia de que a vida comunitária dos povos indígenas da América poderia servir de base para um novo tipo de socialismo, precisava de um teórico que pudesse romper as barreiras do marxismo ortodoxo e enxergar na realidade particular dos povos indígenas, a possibilidade de uma revolução autêntica. Este teórico é José Caros Mariátegui. Peruano de Moquégua, já nos anos 20 do século passado, viu esta possibilidade real. Hoje assistimos ao fenômeno Evo Morales, na Bolívia, em parte fruto destas reflexões que começaram na década de 1920 com Mariátegui.


* Ilustração de capa do jornal "Amauta" editado pr Mariátegui. A palavra "Amauta" em quetchua que significa "sábio" ou simplesmente "semeador".

Seguem abaixo a seleção de algumas frases de seu livro: “O Homem e o Mito”. O que surpreende é que Mariátegui deixa de lado o materialismo para propor a necessidade de um mito que possa catalizar o potencial revolucionário.


“Todas as pesquisas da inteligência contemporânea sobre a crise mundial deságuam nesta unânime conclusão: a civilização burguesa sofre da ausência de um mito, de uma fé, de uma esperança. Ausência que é a expressão de sua falência material. A experiência racionalista teve a paradoxal eficiência de conduzir a humanidade à triste convicção de que a Razão não lhe pode oferecer nenhum caminho. O homem ocidental colocou, durante algum tempo, no retábulo dos deuses mortos a Razão e a Ciência. Entretanto, nem a Razão nem a Ciência podem ser um mito. Nem a Razão nem a Ciência podem satisfazer toda a necessidade de infinito que há no homem. A própria Razão encarregou-se de demonstrar aos homens que ela não lhes basta. Que unicamente o Mito possui a preciosa virtude de preencher seu eu profundo.”


“Mas o homem, como a filosofia o define, é um animal metafísico. Não se vive fecundamente sem uma concepção metafísica da vida. O mito move o homem na história. Sem um mito a existência do homem não tem nenhum sentido histórico. A história, fazem-na os homens possuídos e iluminados por uma crença superior, por uma esperança sobre-humana; os demais constituem o coro anônimo do drama. “


“O que mais nítida e claramente diferencia, nesta época, a burguesia e o proletariado e o mito. A burguesia já não tem mito algum. Tornou-se incrédula, cética e niilista. O mito liberal renascentista envelheceu demasiadamente. O proletariado tem um mito: a revolução social. Em direção a esse mito move-se com uma fé veemente e ativa. A burguesia nega; o proletariado afirma. A inteligência burguesa entretém-se numa crítica racionalista do método, da teoria e da técnica dos revolucionários. Que incompreensão! A força dos revolucionários não está na sua ciência; está na sua fé, na sua paixão, na sua vontade. É uma força religiosa, mística, espiritual. É a força do Mito. A emoção revolucionária, como afirmei num artigo sobre Gandhi, e uma emoção religiosa. Os motivos religiosos deslocaram-se do céu para a terra. Não são divinos; são humanos, são sociais.”


Face aos acontecimentos na América do Sul, com a organização dos movimentos indígenas e camponeses demonstrando uma formidável capacidade de organização e de ocupação de um certo vácuo-político ideológico pós-guerra fria e pós-neoliberalismo, uma releitura de Mariátegui é essencial para a melhor compreensão destes fenômenos.


Na Bolívia, forças ancestrais de um tempo anterior aos próprios Incas são despertadas por um ideal próprio de socialismo, renovado por mais paradoxal que seja, nos mais profundos mistério das tradições.

Nenhum comentário:

Postar um comentário