sábado, 22 de maio de 2010

Ah! Kambô, Kambô Hô!



Leandro Altheman

Sou surpreendido por uma comunidade de Orkut na Internet com mais de 1.000 membros ativos de nome Kambô. Em 2001 quando o kambô ainda era praticamente um desconhecido na maior parte do Brasil, não imaginei que ele pudesse tomar esta dimensão. Acredito que meu trabalho de graduação tenha sido um dos primeiros trabalhos acadêmicos sobre este assunto. Suponho que muita gente tenha desistido de abordar um assunto que fica entre a biopirataria e a "pajelança", e arriscar a sua reputação com isso. Resolvi fazer uma abordagem humana contando a história do sr.Francisco Gomes Muniz, ex-seringueiro que viveu entre os índios katukinas na década de 60. O trabalho "Kambô, a Medicina da Floresta" acabou servindo de referência para trabalhos posteriores de antropólogos e é citado em pelo menos um mestrado na UNB.

Não chegou a ser uma surpresa total, contudo, saber que esta medicina ancestral está sob a mira do Ibama e da Polícia Federal. É o que acontece quando a desinformação, a ganância e o oportunismo se juntam para tirar proveito de algo tão nobre quanto o kambô.

Nestes 3 meses de Samakãe que passei entre os Yawanawá também recebi importantes informações sobre o uso do kambô. Entre os Yawanawá há pelo menos três usos consagrados do Kapum como eles o chamam.

O primeiro deles, mais tradicional é o de espantar panema para pegar caça. Neste caso a pessoa que irá aplicar necessariamente seja um bom caçador, se possível, o melhor da aldeia.

O segundo uso é para tirar a preguiça, para dar mais força e disposição. E é claro que neste caso, o aplicador tem que ter o perfil desejado de um "guerreiro" ou trabalhador. Alguém que tenha na sua prática diária uma atitude de ânimo e disposição.

O terceiro seria para recuperação de saúde. Neste caso, sim, o mais indicado é que seja de fato um pajé a aplicar a medicina e de preferência, que esteja de dieta.

A dieta ou "samakãe", implica sobretudo na abstinência sexual, tanto de quem aplica quanto de quem o recebe. Dentro da cosmovisão Yawanawá a dieta é imprescindível para o sucesso da aplicação. Se não é o mesmo que somente"espantar a doença", mas ela tende a voltar, dentro desta visão
Contudo, faço ainda uma ressalva. Hoje, graças ao trabalho pioneiro de Francisco Gomes Muniz, conhece-se mais usos para a vacina do que tradicionalmente se conhecia. Por exemplo, para problemas reumáticos e circulatórios. Mesmo ainda sem a comprovação científica, já foi empiricamente comprovado que o kambô traz uma resposta muito positiva para questões de saúde que não eram muito conhecidas pelos indígenas antes do contato.

Meu temor, é que a rápida popularização da vacina, feita algumas vezes por pessoas não tão bem intencionadas, traga uma reação cada vez mais negativa por parte dos órgãos ambientais, Polícia Federal e ANVISA. E aí temos a imprensa carniceira de plantão só esperando uma oportunidade para jogar ainda mais lama sobre o assunto. Isto me parece meio inevitável na verdade e um processo que já está em curso.

Em outra ocasião falarei sobre o primeiro trabalho acadêmico da Universidade da Floresta - a UFAC do Juruá sobre o uso do Kambô, que inclusive começou a ganhar o mundo não-índio nas imediações do atual campus. Agora que o acervo de serpentes do Instituto Butantã, vizinho da USP, virou cinzas, vale a pena meditar sobre o valor deste patrimônio cultural e biológico que é o Kambô, e que inclusive foi um dos principais motes na defesa da criação da Universidade da Floresta em Cruzeiro do Sul-AC.

Um comentário:

  1. Como nativa da região amazônica, preocupo-me com essa popularização desenfreada (da utilização de recursos da natureza para fins medicinais e espirituais) porque muitas vezes é fruto de uma curiosidade sem que se busque conhecer profundamente a essência e façam uso inadequado e por fim seja restrita por órgãos públicos competentes que começam a enxergar "perigo", com alguma razão por conta de pessoas irresponsáveis que muitas vezes vê lucro nisso tudo. Uma pena. Todos perdemos.

    ResponderExcluir