quarta-feira, 20 de abril de 2011

Verdades e Mentiras sobre os “índios”


Nestes mais de dez anos vivendo no vale do Juruá, já ouvi todo tipo de coisa sobre os nativos desta região. Creio que o dia do índio seja um momento oportuno par esclarecer alguns pontos obscuros que se tornaram lugar-comum e se faço esta postagem podem ter certeza, é muito mais para repor a verdade dos fatos, do que simplesmente para “defender os índios”, como costumam me dizer. Até por que os índios já provaram que são muito bem capazes de defenderem-se a si próprios, melhor até do que a maioria dos “brancos”.

Índio é preguiçoso

Vivi durante quase três meses em uma aldeia indígena do rio Gregório, do Povo Yawanawá. E passei ainda cerca de um mês entre os Shipibo do Ucaially peruano. Posso dizer que pelo menos aqueles índios, não são preguiçosos. A rotina deles era acordar por volta das 4 ou 5 horas da manhã. O velho Pajé Yawá gosta de cantar para o Sol antes dele nascer. É a voz dele que acorda o seu povo. Por ser mais velho que os outros, sua presença em qualquer situação soa sempre como um “desafio” aos demais, especialmente aos jovens.

Homens mulheres, velhos e crianças vão até o rio para o primeiro banho do dia (o que desmente também a tese de que são “sujos”). As mulheres vão lavar roupas e louças e trazer água para suas casas, subindo o barranco com vasos e panelas sobre a cabeça. Os homens vão fazer fogo e buscar lenha. Na noite e na madrugada anterior eles saíram para caçar e pescar.

Há as temporadas de plantio e colheita e mandioca e milho, principalmente, mas também de feijão, abóbora e melancia.

As horas vagas sob sol escaldante ou chuva demasiada geralmente são aproveitadas para produzir brincos, colares, pulseiras, cocares e todo tipo de artesanato. O fazem sem pressa nenhuma, pois trata-se de uma produção artística, ainda que possa ser vendido como uma fonte de renda extra. Portanto, não vi nada de preguiça, embora o fato de eles não trazerem nada para vender no mercado possa ser interpretado desta maneira. Na verdade os índios trabalham para si e não sentem a necessidade de serem explorados como o são os pequenos agricultores.

O governo paga salário para os índios

Outra mentira. Na verdade o que existem são os mesmos benefícios que existem para todos: aposentadorias, auxílio-maternidade, auxílio-doença e os trabalhadores assalariados: professores, agentes de saúde e agentes agro-florestais. É neste momento que se evidencia o maior preconceito com relação aos nativos. A população não-indígena, ao ver os índios com seus cartões sacando nos caixas eletrônicos, sente uma pitadinha de rancor e imagina que o governo os está pagando simplesmente por serem “índios”.

Os “índios” cortam os cabos de fibra ótica

Essa foi a última que eu ouvi. A mentira espalhou-se com tamanha velocidade pelo centro de Cruzeiro do sul durante o último “apagão” digital, que me vi forçado a realizar uma intervenção ao vivo na rádio para trazer a verdadeira informação: um barranco havia caído na região de Feijó, interrompendo a conexão com celulares e internet. Como já disse anteriormente: não se trata de “defender” os índios, mas de repor a verdade.

É verdade que neste mesmo dia, senti estar diante de um preconceito tamanho, que me fez lembrar do que passaram judeus e ciganos na Europa. Bastava uma epidemia de doenças, ou uma praga de ratos e baratas parta motivar ações populares contra ciganos e judeus, responsabilizando-os pelo fenômeno. Isso era comum na Idade Média e na Alemanha Hitlerista, os judeus foram responsabilizados pela inflação e crise econômica do Estado.

Parece um discurso semelhante quando pessoas de diferentes classes sociais responsabilizam os índios e suas terras pelo suposto “atraso” Ao desenvolvimento econômico do Acre e da Amazônia.

Poria ir mais longe, e dizer que nestes períodos que vivi com os nativos que na verdade são eles que detém a chave do conhecimento da vida na Amazônia e qualquer tentativa de se fazer ciência na Amazônia, sem levar em conta estes conhecimentos tradicionais é pura perda de tempo.

Lembro-me de meu velho pajé Yawá olhando para o Sol depois de um dia estafante de trabalho. Aos 98 anos ele já havia tirado e carregado lenha, pescado no rio, ciscado todo o terreiro e cuidado das preciosas “Kenê Kauá” – os pés de chacrona, consertado o motor do barco... Ele olha para o Sol poente e agradece pelo dia, sabendo que no turno da noite terá o início mais uma jornada de trabalho, agora nas orações e curas das crianças que lhe são trazidas pelas mães. “ Nuke epá keiaki, mi tsai, ikun tsai”. – “Nosso Pai Altíssimo, sua palavra é palavra verdadeira.”

Um comentário:

  1. Olá,super intereçante seu Post. Olha,quem diz que Indio é preguisoso são Pessoas que não aceitam outras Culturas,Ditadores,e,na maioria das vezes Analfabetos,gente de pouco estudo. Um Abraço aqui do Recife!

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