domingo, 19 de agosto de 2012

Onde o Vento faz a Curva (II)

Parte II

O Cuco

Tomei o lápis em minhas mãos e comecei a escrever. Pouca gente sabe como é dificil segurar o lápis quando se está sonhando. Mas é como escrever com a mão esquerda. E vão saíndo aqueles garranchos quase inintelíveis, exigindo uma atenção e concetração inusual.

Desta vez tive o cuidado de se escrever a lápis, pois assim poderia apagá-lo e reescrever quando fosse conveniente. Escrever qualquer coisas que seja, no mundo desperto é apenas escrever, mas quando se escreve no mundo dos sonhos, está se determinando a realidade. Bem sei.

Por essa razão foi que quando chegeui no segundo parágrafo, minha tenda se encheu de heróis, cavaleiros, piratas e navegantes. Eles sentaram-se ao chão ao redor da toalha que nos servia de mesa na tenda em que escrevia.

Não me supreendi. Ao meu lado pulsava o Livro Dourado dos Tawantisuianos, com sua chacana boradada a ouro na capa. Uma forte fivela em uma cinta de couro prendia O Livro, evitando que ele abrisse por sua própria vontade. Com isso ele agitava-se, pulsando a emoção de saber que a tinta do genipapo com que fora escrito corria em minhas veias e que cada palavra escrita por mim agora, era na verdade, mais uma página do Próprio Livro. por isso o cuidado de escrever a lápis.; Era apenas um ensaio.

Um dos capitulos mais excitantes d' O Livro era uma compilação completa da geografia íntima do universo. A verdade por trás da verdade. A ordem por trás do aparente caos que dirigia nossas vidas. O Livro era tão preciso que mesmo tendo sido escrito milhares de anos antes do início da corrida espacial, ainda poderia servir de guia aos navegantes que cruzavam hoje as galáxias.

Nos últimos sete dias andei examinando o capítulo sobre as "Ilhas do Universo Consciente". E como estamos falando d' O Livro Dourado significa mergulhei nas mesmas "Ilhas do Universo Consciente" e vivi por um período de sete anos nas Ilhas. Meu cabelo crescera, e fora amarrado em uma trança quando eu me casei, e quando tive meu primeiro filho, foi atado à trança uma pena de águia, ao costume daquele povo. Era feliz ao lado de minha esposa e de meu filho. Minha pele tornara-se mais morena devido ao intenso sol das ilhas. Meu corpo não era mais franzino de quando saíra de Nova Constelação, mas as longas caminhadas, caçadas, plantios e colheitas, fizeram-me forte nas Ihas.


Mas tivera de voltar e agora vivia novamente em Nova Constelação, onde não se respira outra coisa além de política. Agora diziam de asfaltar a beira do barranco, como forma de ganhar o apoio dos ribeirinhos.

E em minha tenda suava em bicas pelo calor que se abatia sobre um corpo castigado pela malária.

Havia muito pouco a fazer se não aguardar as próximas ordens e os panos que faziam as paredes e teto em minha tenda já se deprimiam com a falta de vento, tornado o ambiente ainda mais abafado e opressivo.

Foi quando ela entrou em minha tenda. Não deixei de notar uma lufada de ar que a acompanhou para dentro da tenda e fez com que paredes e teto empanados fossem enfunados pela brisa suave.

Não me surprendi, pois era eu mesmo que escrevia a história com a tinta azul do genipapo em meu sangue.

Ela vinha coberta de panos mas mesmo assim, cobriu meus olhos com uma venda e começou a contar-lhe a sua história.

- Não sei de onde eu venho. Não sei quem eu sou. A história que me contam ao meu respeito não me convence.  As pessoas me olham com descoinfiança, pois não pareço nada com o povo daqui. Minha pele, minha fala, meus pensamentos e até meus sonhos são diferentes. Ninguém me entende. Meu pai e minha mãe de criação dizem que eu fui trazida ainda criança para cá. Que seja. O que eu não suporto é o jeito como as pessoas me olham, como se eu fosse um alienígena.Ninguém me entende.

Um Cuco, pensei eu. Já tinha ouvido contar histórias sobre "Cucos". Crianças especiais que eram dadas para serem criadas por pessoas comuns, agricultores, pescadores. O problema era quando estes Cucos atingiam a maturidade. Tornavam-se maiores que seus pais adotivos e um peso para os mesmos. Muitos corriam de casa para evitarem ser chacinados pelos próprios pais adotivos. Outros eram salvos por mestres e mestras que pela providência divina chegavam na hora certa. Será que era esse meu papel? Mas eu ainda não era um Mestre e depois de quase dois anos sozinho em Nova Constelação meus pensamentos não eram dos mais puros.  


- E por que me vendou os olhos? Perguntei

- Para que preste a atenção às minhas palavras e não a minha aparência

Pobrezinha, pensei. Eu posso vê-la ainda assim, não com os olhos, mas com o corpo todo. Mesmo sob os panos eu a vejo. Mesmo antes de entrar eu já a via. Ainda que incompleto meu treinamento com os mestres da constelação da Grande Javali, me davam esta visão.

- E o que você quer?  

- Quero que me leve para bem longe daqui. Para longe deste povo fofoqueiro e maledicente...

A venda não me impediu de ver quando ela tirou os seus panos e intriguei-me ao peerceber que aquilo me excitava. Mas se eu já a via por baixo dos panos, por que ficaria excitado agora? Foi quando a Velha Voz  respondeu  em meus pensamentos:

- Uma coisa é ver uma mulher nua. Outra, bem diferente é ver uma mulher que se despe para você!

Seu corpo era bonito e delicado. Sua pela era entre o branco e o pardo-claro coberta de uma penugem de pele de pêssego. Seus seios pequenos e perfeitos pareciam duas pequenas pêras. Sua boca e nariz eram bem proncunciados, mas graciosos. Lábios carnudos e vermelhos enfeitavam seu lindo sorriso de dentes perfeitos.,


Ela então sentou-se sobre meu colo e em um susurro doce passou a me excitar balançando levemente seu corpo sobre o meu.

Foi quando vi (e nessa hora amaldiçoei a visão) os homens que já haviam estado com ela e que por mais que negasse, o eco do prazer que sentira com eles era um grito em meus ouvidos.

Uma vez mais tive pena e pensei: pobrezinha.

Mas a visão foi além e vi de fato o que acontecera com ela. Qunado atingiu a maturidade sexual seus instintos não puderam ser contidos pelos pais adotivos. Fora uma presa fácil para o rebanho dos homens-ovelhas. Esta raça odiosa era conhecida em todas galáxias pela sua proverbial hipocrisia.

Enquanto baliam atrás de seus pastores, com seus ares piedosos, tratavam de estigatizar todos aqueles que não tinham a marca do rebanho. Mas eles próprios também tem seus instintos, que normalmente satisfazem com as cabras e ovelhas que os acompanham. Mas um bichinho raro, como aquele Cuco, não poderia ser desperdiçado.

Ninguém sabe tosquiar tão bem como os homens-ovelha. Satisfeitos seus instintos, eles voltam a balir diante de seus pastores, pedindo perdão pelos seus pecados. O Cuco então é largado pelo meio do caminhos pois ela não tem a "marca da promessa": nome que davam ao ferro quente que deixava em suas peles a marca de seu dono.

E agora aquele Cuco queiram seguir viagem comigo adiante. Bem seria agradável uma compania feminina quando estiver sob a chuva de meteoros em Cacéter. Por outro lado, no deserto negro de Farahan, teria de dividir minha sopa com ela. Me preocupavam serveramente os Pesadelos-Vivos que costumam usar almas medrosas e choronas para se materializarem no meio da noite e atacar.

Mas acima de tudoa maior dúvida certamente não eram os perigos da viagem, mas o final dela. O que seríamos quando cada qual tivesse de seguir o seu caminho? Ter em minhas mãos o poder de escrever a própria história não dimunuia este peso. Pelo contrário, uma dupla e uma tripla responsabilidade, de, caso aceitasse levá-la, escrever agora não mais apenas uma história, mas duas.

Pulsava ao meu lado, O Livro Dourado dos Tawantisuyanos.
   
  


 

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