quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Ogunhê! A tecnologia como força arquetípica da natureza


Parte 1- O Pensamento Selvagem e Perspectivismo Ameríndio (para iniciantes)

A contraposição cultura x natureza é uma herança do pensamento ocidental, marcado, sobretudo, pelo maniqueísmo. Na visão de um guru brâmane, a religião cristã, auto-denominada “monoteísta” não passa de grosseiro dualismo. A dualidade bem x mal, deus x diabo é inconcebível para o verdadeiro monismo hindu.
O dualismo presente na visão judaico-cristã se expressa também no pensamento ocidental: material x espiritual, cultura x natureza.
Particularmente, nesta postagem quero abordar este dualismo específico: cultura x natureza.
O tema é recorrente e caro para diferentes gerações de filósofos que buscaram interpretar a realidade a partir desta dicotomia. O “esquema” complicou um pouco quando entrou em cena o nativo americano. É ele um selvagem? Se ele é selvagem ele é bom ou mau por natureza? Tem ele uma alma? Tem ele um pensamento?
A antropologia buscou responder a esta pergunta. Em “O Pensamento Selvagem”, Claude Lévi-Strauss nos apresenta “o pensamento humano em seu livre exercício, um exercício ainda não-domesticado em vista da obtenção de um rendimento.” Eduardo Viveiros de Castro
Talvez sua principal contribuição seja sua demonstrável constatação de que os chamados selvagens não são atrasados, "menos evoluídos", selvagens nem primitivos, apenas operam com o pensamento mítico (magia), que em termos de operações mentais é comparável ao pensamento científico. (Lévi-Strauss)
Eduardo Viveiros de Castro entra ainda mais profundamente no pensamento mítico. Em seu “perspectivismo ameríndio”, Viveiros de Castro postula que para o pensamento nativo, a oposição cultura x natureza não faz qualquer sentido. Isto porque o comportamento típico de cada espécie é encarado como sendo sua “cultura”. Os hábitos, por exemplo, de determinada espécie de macaco: seus gritos guturais, suas relações de parentesco, suas atividades de coleta e caça, são interpretadas como parte da “cultura do povo macaco”.  
Partindo de outro viés, o da biologia, a Ecologia Comportamental demonstra que no reino animal podem ser demonstrados comportamentos estratégicos que transcendem a costumeira resposta padrão de que tudo não passa de “instinto”. Na verdade, apenas mais uma tentativa de negar a existência de uma “inteligência animal” e preservar os séculos de enganos a respeito deste tema do pensamento ocidental. Sem inteligência, não há consciência, não há logos, não há alma.
Tampouco é um homem um animal ‘racional’. Pensadores mais recentes tem procurado categorizá-lo como animal ‘simbólico’, o que equivale, entre outras coisas, a dizer que são os símbolos, e não a razão, o principal condutor do comportamento humano.
O perspectivismo ameríndio põe em cheque o postulado de que o universo simbólico (linguagem, mito, religião, arte) seja exclusivo do ser humano.


Este breve preâmbulo serve apenas para ilustrar a temática central desta postagem que será abordada na sequência: a concepção de que na mitologia afro-brasileira, a tecnologia não se opõe à natureza, mas é na verdade a realização de uma força arquetípica presente na própria natureza.  

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