quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Para pastor batista, "Dia do Evangélico" foi "Tiro no pé"

Marcos Lopes

Uma das maiores aberrações religiosas veio à luz recentemente, quando a Assembléia Legislativa do Acre aprovou o Projeto de Lei n. 51/2003, de autoria do deputado Helder Paiva (PSDB), instituindo feriado estadual, a data de 23 de janeiro como o Dia do Evangélico. O que está por trás disso? É preciso raciocinar para entender que estamos vivendo um momento perigoso. Exponho a seguir alguns pontos relevantes de reflexão.

Em primeiro lugar, o referido Projeto de Lei cavado, obviamente, pela Associação dos Ministros Evangélicos do Acre (Ameacre), fere um princípio religioso perseguido duramente pelos evangélicos históricos, que é o da independência entre igreja e estado. Os evangélicos do Acre, criando, um novo feriado, estão de alguma maneira interferindo na vida do estado, fazendo uma imitação barata do Catolicismo Romano, que de maneira escancarada interfere na vida do estado brasileiro com seus inúmeros feriados, dando a nação brasileira um prejuízo de milhões. Feriado traz prejuízos mesmo. Os feriados católicos são completamente inconstitucionais (o mais inconstitucional deles é o de 12 de outubro, dia da “padroeira” do Brasil, uma herançazinha do período da ditadura militar), visto que o estado é laico e não tem religião. Esse feriado sem graça criado pelos evangélicos também o é. Que mau exemplo! A história nos ensina que quando a Igreja se une ao estado ela se torna um monstro nojento. Se não vejamos: foi assim quando a Igreja católica se uniu ao Império Romano; Foi assim quando a Igreja Luterana se uniu ao estado na Alemanha; foi assim quando a Igreja Presbiteriana se uniu ao estado na Escócia (dizem que também fez alianças com a maçonaria); foi assim quando os anglicanos unidos ao estado inglês mataram, perseguiram, prenderam e desterraram; foi assim quando a Igreja Ortodoxa tornou-se oficial na Grécia. Algumas dessas aberrações (uniões entre igrejas e estados) começaram com pequenas intenções e depois o monstro era gerado. A igreja aliada ao estado é uma das piores tragédias que um povo pode presenciar.

Em segundo lugar os evangélicos envolvidos na obtenção da aprovação do tal projeto, sem perceber, criaram uma grande complicação para a nação, para o estado do Acre e para si mesmos. Talvez isso não seja percebido facilmente em um futuro próximo. Porém, movimentos e tendências religiosas dentro da história são melhor avaliados uma geração depois do seu início. Que males e benefícios terão causado é um tema importante nessas avaliações. Mas no caso do feriado do Dia do Evangélico, alguns desses males já podem ser facilmente previstos. Por exemplo, se o evangélico pode ter o seu feriado, por que razão o Espírita também não pode? E o budista? E o umbandista? Ou seja, está aberta a temporada de criação de feriados religiosos. Como os evangélicos idealizadores do bendito feriado se sentirão quando as outras religiões quiserem os seus feriados também? Se trinta religiões entrarem com pedidos de feriados e eles forem aprovados, o estado fica com um mês menos. E os futuros governadores vão sancionar novas leis para novos feriados? E quando os evangélicos de outros estados quiserem imitar o Acre? Ele está delirando, alguns podem dizer. Porém, para que cada novo projeto de feriado seja feito, basta que a religião interessada tenha um deputado que a represente.

A situação toda precisa ser interpretada também dentro de um contexto político. Ultimamente, os políticos têm tido livre acesso a muitos púlpitos evangélicos e muitas igrejas têm escancaradamente apoiado candidatos em suas campanhas políticas. É bem verdade que isso tem ocorrido muito mais dentro do meio pentecostal, mais alguns pastores tradicionais também entraram nessa. Que vergonha! Alguém precisa dizer a todos esses que igreja não é palanque, muito menos curral eleitoral. Eu soube de um político famoso que subiu no púlpito de uma igreja pentecostal estando embriagado. O oportunista estava tão “chapado” que na hora de fazer os agradecimentos trocou o nome da igreja. Estou dizendo essas coisas porque essa idéia maluca foi levada a cabo por alguns políticos (político não dá ponto sem nó, e esse projetinho sem graça será cobrado por muitos anos) e pela Ameacre, que se viram no direito de representar a classe evangélica sem consultar a mesma com respeito a estarem ou não a favor de ter o seu nome em um feriado completamente inconstitucional. A propósito, a Ameacre não congrega todas as tendências evangélicas locais. Talvez não congregue nem a metade. É bem provável que a maioria não concordasse se soubesse do que realmente se trata. Mais proveitoso do que criar mais um feriado inconstitucional seria ter coragem para derrubar aqueles que já existem.Refiro-me aos feriados religiosos.

Quanto ao respaldo bíblico, nem de longe tal projeto encontra apoio das Sagradas Escrituras. Os cristãos, pelas suas próprias crenças, não estão aqui para serem homenageados em um feriado que leva o seu nome. O dia deles ainda não chegou. Quem lê o Novo Testamento, e é honesto nas suas convicções cristãs, não tem nem dificuldade em ver que o próprio Jesus não apoiaria esse projeto inoportuno. O pregador galileu das praias e o seu primo (João Batista) dos desertos compareceram aos palácios, mas para serem julgados pelas autoridades por terem denunciado alguns dos seus pecados. Não para estarem buscando favores delas.

Assim, conclamo em primeiro lugar aos meus irmãos que criaram esse feriado. Que se arrependam pela tentativa de serem homenageados pelos governantes terrenos, mas também àqueles que congregam nas mais variadas igrejas a não se iludirem e saírem por aí dizendo que esse projeto é uma bênção. Isso não é uma bêncão, isso é um tiro no pé! Por fim, conclamo a advogados políticos, promotores, pastores sensatos e a cidadãos conscientes que pelos meios legais encabecem um movimento para derrubar esse feriado monstruoso. Assim estarão fazendo um grande favor à nação, ao estado do Acre, aos evangélicos e à democracia. Vou orar para não vomitar. Perdoem-me a franqueza. Graças a Deus terei o prazer de dizer aos meus amigos, aos meus filhos e esposa, bem como a igreja que pastoreio, que fiz o meu dever. Que muitos outros possam fazer o seu!

*Marcos Lopes é pastor da Igreja Batista Memorial do Residencial Mariana em Rio Branco. O artigo foi publicado em 2007 na seção de opinião do jornal Página 20. 

Um comentário:

  1. O Marcos escreveu um bom texto.

    Gostaria de tecer apenas dois comentários muito mais a titulo de informação que abrir ao possível debate.

    Primeiro lembrar que o feriado do dia 12 de outubro, de fato foi instituído durante a ditadura militar, no dia 30 de junho de 1980, governo do General João Batista de Oliveira Figueiredo, pela lei 6.802. Mas o presidente a sancionou após ter sido aprovada pelo Congresso Nacional. Té aí nada muito novo. A novidade é que a lei, na verdade era para decretar feriado por causa da "descoberta" da América e a proposta foi do Senhor, então ministro, Ibraim Ab-Ackel.

    Em segundo lugar, é preciso que entendamos que a configuração política determina muito. Por exemplo: Naquela época era importante, no Brasil, se dizer católico, dava voto etc... Aqui no Acre, com as igrejas atreladas à Frente Popular, ´dá voto e absolve, dizer que é genericamente evangélico. A tese dos "evangélicos" ou dos que defendem o termo, já está equivocada no próprio conceito. O Termo "evangélico" se aplica à toda religião ou seguimento religioso que tenha por base o Cristianismo, já que só há informações sobre o Cristo justamente nos "evangelhos". Assim, e por isso mesmo, todas as igrejas cristãs são necessariamente evangélicas, incluindo principalmente a Católica uma vez que foi a primeira igreja cristã, portanto, a primeira igreja evangélica.

    No mais, tudo no Acre vira politicagem. Só para lembrar: O feriado estadual em alusão ao dia do evangélico foi instituído em 2004, no governo de Jorge Viana, que se declara Católico, e aprovado na Assembléia presidida por Edvaldo Magalhães, que se declara "comunista".

    Bom trabalho

    Lindomar Padilha

    ResponderExcluir