quarta-feira, 27 de março de 2013

"Defesa da Família": A falácia que rende votos

Hipócritas anacrônicos como Marco Feliciano, Antônia Lúcia e outros que não convém aqui mencionar, proliferam graças ao discurso da “defesa da família”.
E as famílias de classe média, sentindo-se acuada em seus valores passam a acreditar que talvez nossa sociedade precise de alguma “obra de saneamento moral” a fim de evitar a total corrupção de valores e o fim da espécie humana.

Começo a imaginar se algum dia em um mundo liderado por estes pastores seria necessário criar um “marco regulatório da espécie” a fim de convencer homens e mulheres que são desejáveis um ao outro. Se esse dia chegar, é melhor que a espécie se acabe mesmo.

O último a sair apague a luz e fecha a porta.

A garantia da “reprodução da espécie” se dá pelo desejo sexual que já nos são legados pela natureza. Não necessitamos de nenhum tipo de “conversão religiosa” e nem de “apoio do estado”para sermos dotados de tais instintos.

E não apenas sexo. A criação de laços afetivos, familiares e sociais ocorre na natureza em larga escala. Lobos, águias e símios estabelecem diferentes modelos de família, de acordo com suas necessidades sem que para isso tenham que “aceitar Jesus”. O fazem há milhares de anos e ao que parece, são bem sucedidos.

Se a natureza já nos dota destes instintos, por que razão precisaria o ser humano do apoio de um estado-cristão para defesa da família?

Defender de quem? Do mercado de trabalho que tira as mães de seu lar para trabalharem e ajudar na renda doméstica? Da mídia que estimula o desejo sexual em pré-adolescentes? Dos ideais de igualdade entre os gêneros? Do “satanás”?

Protejam o ser humano da exploração por outro ser humano e o seu trabalho já estará feito.

Protejam a nossa própria natureza da alienação por seja lá o que for: dinheiro, religião ou poder, e seu trabalho já estará feito. E quando falo natureza, me refiro não apenas à terra, à água e ao ar, mas também a este fogo que arde em cada um de nós desde os tempos imemoriais. A natureza vive em nós e se de fato existe um Criador, esta sim é a mais absoluta expressão de sua ciência, verdade e vontade.  

E se você acha que precisamos de igreja e de estado para criarmos laços afetivos, veja esta pequena amostra do que os animais são capazes, sem nada disso, clicando aqui

terça-feira, 26 de março de 2013

Nós dizemos Revolução


Por Beatriz Preciado | Trad.: Bárbara Szaniecki
Parece que os gurus da velha Europa se obstinam ultimamente a querer explicar aos ativistas dos movimentos Occupy, Indignados, handi-trans-gays-lésbicas-intersex e postporn que não poderemos fazer a revolução porque não temos uma ideologia. Eles dizem “uma ideologia” como minha mãe dizia “um marido”. Pois bem, não precisamos nem de ideologia nem de marido. As novas feministas, não precisamos de marido porque não somos mulheres. Assim como não precisamos de ideologia porque não somos um povo. Nem comunismo nem liberalismo. Nem o refrão católico-muçulmuno-judeu. Falamos uma outra linguagem. Eles dizem representação. Nós dizemos experimentação. Eles dizem identidade. Nós dizemos multidão. Eles dizem controlar a periferia. Nós dizemos mestiçar a cidade. Eles dizem dívida. Nós dizemos cooperação sexual e interdependência somática. Eles dizem capital humano. Nós dizemos aliança multi-espécies. Eles dizem carne de cavalo nos nossos pratos. Nós dizemos montemos nos cavalos para fugir juntos do abatedouro global. Eles dizem poder. Nós dizemos potência. Eles dizem integração. Nós dizemos código aberto. Eles dizem homem-mulher, Branco-Negro, humano-animal, homossexual-heterossexual, Israel-Palestina. Nós dizemos você sabe que teu aparelho de produção de verdade já não funciona mais… Quanto de Galileu precisaremos desta vez para re-aprender a nomear as coisas, nós mesmos? Eles nos fazem a guerra econômica a golpe de facão digital neo-liberal. Mas nós não choraremos a morte do Estado-providência, porque o Estado-providência era também o hospital psiquiátrico, o centro de inserção das pessoas com deficiência, a prisão, a escola patriarcal-colonial-heterocentrada. Está na hora de pôr Foucault na dieta handi-queer e de escrever a morte da Clínica. Está na hora de convidar Marx para um ateliê eco-sexual. Não vamos adotar o estado disciplinar contra o mercado neoliberal. Esses dois já travaram um acordo: na nova Europa, o mercado é a única razão governamental, o Estado se tornou o braço punitivo cuja única função será aquela de re-criar a ficção da identidade nacional por meio do medo securitário. Nós não desejamos nos definir como trabalhadores cognitivos nem como consumidores farmacopornográficos. Nós não somos Facebook, nem Shell, nem Nestlé, nem Pfizer-Wyeth. Não desejamos produzir francês, e tampouco europeu. Não desejamos produzir. Nós somos a rede viva decentralizada. Nós recusamos uma cidadania definida por nossa força de produção ou nossa força de reprodução. Nós queremos uma cidadania total definida pelo compartilhamento das técnicas, dos fluidos, das sementes, da água, dos saberes… Eles dizem que a guerra limpa se fará com drones. Nós queremos fazer amor com os drones. Nossa insurreição é a paz, o afeto total. Eles dizem crise, nós dizemos revolução.


terça-feira, 19 de março de 2013

Quem precisa ser protegido da “biopirataria”?

É lugar-comum afirmar que os povos indígenas precisam ser “protegidos” da ação de “biopiratas”: pessoas malvadas e sem coração que se aproveitam da "inocência" dos povos indígenas e se apropriam de seus conhecimentos tradicionais e faturam alto com isto.

Mas meu instinto de lobo me diz que há algo mais que se esconde sob o manto desta necessidade de “proteção”. Um sutil jogo de sombras que mascara outra intenção.

O que inicialmente recebeu o nome de biopirataria foi justamente a ação de laboratórios (geralmente estrangeiros) que se apropriavam do conhecimento indígena sobre determinadas plantas e os reduziam a fórmulas, princípios e pílulas, para a alegria da poderosa indústria farmacêutica.

Habilmente, a mesma indústria farmacêutica, com a ajuda da sempre servil ANVISA, conseguiu virar o jogo, e o discurso, ao seu favor. Assim, passaram a ser chamados de “biopiratas” todos aqueles que fazem uso da medicina ancestral nativa e que por um azar do destino, não sejam nativos.

Ora, o que está por trás deste discurso? A de que apenas os indígenas podem fazer uso de sua medicina, a nós, brancos, nos resta tomar as suas pílulas, depois que elas estiverem no mercado. Quem de fato se “protege” com este discurso?

Não apenas a indústria farmacêutica é protegida, mas todo o paradigma médico-científico ocidental.  
Isto porque, na medicina nativa, o conceito de um “paciente” que é apenas “objeto” da medicina, não existe. 

Na medicina ancestral, o “paciente” não é passivo, ele é sujeito de sua própria cura.

Ao tentar restringir a medicina ancestral às aldeias, passa-se à sociedade a ideia de que os conhecimentos tradicionais não são mais do que um exotismo sem cabimento na nossa sociedade, cuja tolerância é motivada apenas por valores humanitários e interesse antropológico.

Diante de uma sociedade que falhou em responder aos anseios mais profundos do ser humano, brancos ou não, temos o total direito e a liberdade de adotar um outro paradigma, uma outra cosmovisão que corresponda a estes anseios. 

As formas de cura previstas nas mais diferentes medicinas ancestrais nativas, não são apenas paliativos cosméticos. São medicinas que exigem muitas vezes, uma reavaliação das motivações, impele a mudanças de hábitos, de comportamentos, obriga a romper preconceitos, a quebrar paradigmas e sobretudo, a um re-alinhamento das vontades mais profundas, porque logo cedo se aprende que tudo está integrado e que não é possível obter a cura de coisa alguma, mantendo-se os mesmos velhos padrões.

É de tudo isso que o velho paradigma precisa se defender: ele depende da inconsciência para continuar reproduzindo seus padrões doentios.

Talvez os indígenas não estejam sendo inocentes, mas estratégicos, em repassar estes conhecimentos para que eles sobrevivam em nossa sociedade. O divisor de águas está no grau de compromisso com a cosmovisão com que se honram estas medicinas.         
    
   

segunda-feira, 18 de março de 2013

Antropólogo africano descreve uma estranha religião

A multidão se reúne em alguns lugares específicos exclusivamente para esta celebração. Parece que as pessoas não se importam muito com a aglomeração, porque eles são vistos relativamente feliz. Automatizados, todos seguem o mesmo ritmo.

Eles fazem tudo bem, às vezes sussurrando, às vezes cantando, às vezes se movendo lentamente em direção do responsável pela realização do rito, como se uma força comum conduzisse a todos juntos.

No que nos diz respeito, agora, vamos nos limitar a este aspecto ligado à sua vida espiritual. Tanto quanto se pode verificar, essas cerimônias são de particular importância na dinâmica social e na formação psicológica individual.

Não é bem compreendida pelas crianças, mas ao longo dos anos, são cada vez mais assimiladas e eventualmente torna-se parte de suas vida. Em um ponto em seu desenvolvimento pessoal, não podem viver sem elas (as cerimônias). Mas deve-se afirmar que, quando crianças, ficam entediados às lágrimas quando forçados a participarem. Somente através da imposição dos pais se torna possível a sua participação.

Não são festas alegres. Muito pelo contrário: mais parecem trágicos funerais.

Na verdade, a morte é  evocado continuamente. O ídolo que eles adoram é, de fato, MORTO.

Para quem espera destas cerimônias, vida, dinamismo, energia e assim por diante, estas celebrações são verdadeiras desilusões. São cerimônias entediantes.

Os frequentadores são passivos :não se movem, não pulam, não dançam.
As músicas, das quais, em geral, são poucas, não passam de um sussurro de voz baixo para transmitir grande solenidade, ao contrário de outras músicas que ocorrem fora destas celebrações, estas são especialmente tristes.

Verificou-se que, até poucos anos, esses rituais eram oficiados em um idioma que já não é mais falado em nenhum, tratando-se apenas de língua oficial de seus feiticeiros. Vendo que as pessoas não entendiam o que era dito nesta língua morta, a hierarquia decidiu substituir a língua falada pelas línguas de uso diário.

Seus feiticeiros, aliás, são muito especiais. Em termos oficiais devem observar a castidade rigorosa. Eles não podem ter parceiro. Mas, na verdade, ainda que de modo subterrâneo, mantem práticas sexuais tanto hétero quanto homossexuais. Não raro concebem crianças, mas nunca cuidam deles. Há uma diferença marcante entre bruxas e bruxos. Estas têm um lugar secundário dentro da estrutura institucional religiosa.

No lugar de culto, elas não têm nenhum lugar de poder, não podem aconselhar os paroquianos e o seu papel é reduzido ao de meras servas e à assistência material normalmente destinado doentes, idosos ou órfãos. Também para elas é proibida, pelo menos oficialmente, qualquer prática sexual.

Ambos os homens e mulheres que pertencem ao mundo religioso, se quiserem ter vida sexual, uma vez que abraçou sua carreira religiosa como xamãs (ou o equivalente em sua cultura) devem abandonar tal status. Só então lhes é permite ter uma vida amorosa e procriar.

No caso dos bruxos do sexo masculino, é curiosa a sua importância na vida espiritual do grupo que representam. Sem vida amorosa ativa com outro companheiro-oficialmente chamado de "voto de castidade", que é assumido para aconselhar e fazer cumprir as normas de conduta para todos os seus seguidores. Sem nunca ter concebido um filho (pelo menos publicamente) insistem em falar sobre paternidade, sobre a prática do aborto ou a moralidade geral da população.

O engraçado é que as pessoas aceitam o que dizem esses bruxos e, em geral, são bastante consistentes.

Há, como entre religiosos da Ásia, uma fonte de sabedoria e de profunda espiritualidade, mas eles são vencidos pelo consumo e conforto material. Não jejuam, pelo contrário comem bem e não fazem nenhum trabalho físico.
Um grupo dissidente optou por uma relação mais simbiótica com seu povo e foi rejeitados pela direção da instituição religiosa original.

Ambos os tipos de bruxos, homens e mulheres, usam um vestido apertado preto com longas túnicas que os cobrem do pescoço aos pés. É comum usar um amuleto pescoço consiste numa cruz de madeira.

As cerimônias são praticadas todos os dias, mas a mais importante ocorre no domingo de manhã: é a adoração de uma imagem de homem crucificado, que de acordo com as suas tradições tem grandes poderes mágicos. Sua invocação serve para encorajar toda sorte dos mais inimagináveis pedidos: em relação à saúde, destino, e a boa sorte em geral.

Eles são monoteístas e chama de "selvagens" e "primitivos" aqueles não seguem suas tradições religiosas e riem daqueles que respeitam e / ou adoram as forças da natureza (enquanto é imperativo dizer, que isso tem produzido um desastre ecológico de proporções gigantescas).

Durante a cerimônia de seu bruxo, sempre, inevitavelmente, um do sexo masculino, as mulheres não podem oficiar-las, vestido de uma maneira especial, acrescentando roupas mais coloridas sobre o manto negro, continuamente elogia a cruz. Eleva as mãos repetidamente ao ar para a realização de fiéis. Também comem e bebem uma pequena massa, representando o corpo de Deus de acordo com suas crenças, e uma bebida espirituosa produzida a partir de uvas para vinho. No final da cerimônia, alguns dos fiéis que desejam, isso não é obrigatório, também podem comer dessa massa, mas não beber o vinho. Isso é um privilégio dedicado apenas aos sacerdotes.

Algo muito importante é que antes de comer essa massa (que na verdade não é, exatamente um alimento, mas tem valor  ritual) os fiéis devem aderir a um passo que consiste no que é chamado de "confissão". Isto é, deve dizer a um desses bruxos vestidas de preto, o que não é o mesmo oficiante da cerimônia, a falta de caráter moral que tiveram recentemente. Isso é algo muito especial, totalmente desconhecido na nossa cultura, pode-se até dizer que tem algo de simpatia. Não é uma mentira tácito em jogo. Eles têm pequenos pedaços da vida cotidiana, insignificantes na moralidade coletiva (de ter dito um palavrão, ter se masturbado, depois de ter comido algo secretamente sem o consentimento da mãe ou cônjuge), mas nunca falam dos grandes calamidades espirituais e sociais a atormentá-los: guerras, a exploração econômica que violam de minorias privilegiadas para a maioria, a poligamia disfarçada de fidelidade monogâmica, técnicas de deterioração irracionais para produzir seu trabalho sobre o meio ambiente, as invasões e desprezo que freqüentemente submetido o nosso povo como negro, a ganância extrema, o alcoolismo, o individualismo, e dependência de drogas com seus males em busca de cobertura.

Em geral, pode-se dizer que a sua prática religiosa é mais superficial, mais "cosmética" do que qualquer coisa profunda no sentido coletivo. Observam o serviço de domingo (às vezes nem mesmo aos domingos) para participar de suas cerimônias, mas para o resto da semana se permitem os atentados mais incríveis. Há uma tabela chamada axiológica "mandamentos", mas é sistematicamente violada pela população. E caso curioso também pelos bruxos. Por exemplo: fala-se da necessidade de não mentir, assim afirmam uma dessas regras morais de sua tabela de valores, mas sua sociedade inteira está estruturado com base em mentiras e corrupções sociais. Os sacerdotes não podem ter vida sexual, por exemplo, mas são mais comuns com crianças que vêem às sombras, muitas vezes, incitam-nas a abortar, embora a prática do aborto é severamente penalizada pelas autoridades religiosas. Fala-se de caridade, mas generalizadamente vivem explorando e mentindo, trancados em um individualismo feroz e procurando maneiras de ganhar vantagem sobre seus pares. Mentir não é anedótico, mas que faz parte da estrutura coletiva, tanto na relação entre gênero e entre líderes e subordinados. Dizer a verdade é o menos comum em suas culturas, embora as práticas supostamente religiosas tornam a sua pedra angular. Um fato curioso: mesmo aqueles que prometem e não cumprem (os chamados políticos profissionais), os torturadores, os soldados com suas armas de destruição em massa, aqueles que emprestam dinheiro a juros, aqueles que exploram o trabalho dos outros, os homens que usam mulheres, que compõem histórias para confundir as pessoas nos meios de comunicação, todos eles falam de amor sempre, mesmo batendo no peito em sinal de solidariedade e altruísmo, mas as mentiras e ódio sempre se impõe. Tive a oportunidade de ver uma câmara de tortura (de uso bastante prático nesta cultura), onde havia um crucifixo e onde se ensina que ocorria "pelo amor de deus".

Não há amor em seus hábitos. A religiosidade cotidiana é mais cosmética do que qualquer outra coisa. De acordo com suas crenças, falam de igualdade, mas pouco se vê disso em sua organização social no seu dia-a-dia. Não raro, os necessitados que vêm para os seus lugares cerimoniais chamados "igrejas" - a implorar, estão em suas portas, apenas com uma pequena a diferença entre aqueles que têm e aqueles que não têm para onde cair morto. Não há nenhuma consciência de apoio coletivo entre todos os membros de seu povo, ao contrário, vivem em guerra um contra outro, atormentando economicamente, destruindo e destruindo a si mesmos. A caridade tem apenas caráter anedótico para estes párias das portas dos templos.

A celebração principal de sua tradição religiosa é o dia que evoca o nascimento e a morte de seu enviado principal: o filho de seu deus, uma figura em forma humana que morreu na cruz, supostamente como uma oferta para salvar a vida espiritual deste grupo inteiro. Mas na medida em que foi encontrado com nossos métodos de pesquisa antropológica, essas festas e não têm praticamente nenhuma essência maior. Tornou-se uma festa religiosa e pagã para o consumo de alimentos e bebidas hedonistas. Na verdade, no momento em que se evoca o nascimento desta figura, em dezembro, está aparecendo uma nova divindade, não reconhecido inicialmente como sagrada, mas valorizado tanto quanto ou mais do que o seu ícone, chamado principal Papai Noel, ou Santa Klaus, ou San Nicolás. Este valor está ligado a perder, para as grandes festas, troca de presentes. A ideia de purificação espiritual é lentamente perdida.

Embora a pesquisa histórica não fosse o nosso principal ponto de interesse, tanto quanto se pode investigar no decorrer dos anos, a instituição religiosa em si e a espiritualidade vêm passando por mudanças profundas. Por mais de um milênio, o poder da hierarquia institucional está abraçando, servindo não apenas ao aspecto religioso, mas também influenciando os poderes políticos. Na verdade a sua sede, onde mais-um velho bruxo, sempre do sexo masculino, supostamente escolhido pela vontade divina não usa seu nome verdadeiro, a quem todos chamam de "papai" em uma língua morta, foi durante longos séculos o foco de poder político e econômico do mundo. Como um monarca enviado soldados para matar mais do que a metade de um milhão de fiéis que não cumpriu plenamente com os ritos (geralmente mulheres, que foram queimadas vivas), com o apoio da conquista do que eles chamavam de " novo mundo ". O poder da ideologia e costumes sobre a população eram totais. Mas por 300 anos isso vem mudando gradualmente, levando à situação atual, onde a religião está em decomposição direta.

Hoje, mesmo em termos oficiais ninguém se atreve a falar, são outros deuses que ocupam as mentes da população. Embora estes antigos ritos são praticados, principalmente as pessoas adoram o dinheiro, produtos de tecnologia (alguns mais do que outros, como carros, celulares, perfumes), e para as últimas décadas, um mecanismo de compra e venda muito singular que eles chamam de "cartão de crédito" (...)

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Esta carta foi encontrada entre os pertences do falecido antropólogo senegalês Mlagula Abunda, que estudou os ritos religiosos da cultura ocidental anglo-saxã, o projeto para que ele se estabeleceu por três anos em sete países ocidentais católicos (quatro Europeu e três americanos), onde realizou suas pesquisas.

Este manuscrito nunca foi publicado antes, e hoje apresentamos aqui como uma pequena porção. Esperamos que isso vai ajudá-lo a aprender mais a humanidade como um todo

domingo, 17 de março de 2013

Livro sobre conhecimento kaxinauá, gera disputa entre Holanda e Brasil


ROBERTO MALTCHIK (para O GlObo)

A ação de uma ONG baiana, presidida pelo cônsul honorário da Holanda em Salvador, numa terra indígena no Acre, quase na fronteira com o Peru, pôs o Ibama em alerta e se transformou em mais um rumoroso episódio de suspeita de acesso ilegal ao patrimônio genético da biodiversidade brasileira. Em jogo, o conteúdo de um livro da etnia Kaxinawá, com a linguagem e as receitas xamânicas relacionadas a 516 ervas medicinais, que teriam o poder de curar 386 tipos de doenças tropicais, especialmente provocadas pelo contato entre o homem e outros animais.
O caso remonta ao ano de 2010, quando o etnomusicólogo brasileiro Ricardo Pamfilio de Souza, financiado pela ONG Arte, Meio Ambiente, Educação e Idosos (Amei), entrou em contato com o pajé Augustinho, da Terra Indígena Kaxinawá do Baixo Rio Jordão (AC), uma das onze áreas oficialmente povoadas pela etnia em solo brasileiro. O Brasil tem cerca de 6 mil índios Kaxinawá. Outros 4 mil vivem no Peru.
Da conversa entre o visitante e o pajé, surgiu o projeto para publicar um livro, em língua nativa, cujo objetivo seria preservar a cultura e o Hãtxa Ruin — a língua dos Kaxinawá. Ocorre que, para “preservar a linguagem escrita”, Panfílio diz que o pajé Augustinho escolheu justamente o conteúdo secular das receitas xamânicas, o “Livro Vivo dos Kaxinawá”, um tesouro da biodiversidade amazônica que, inclusive, já foi alvo de estudos e publicações de botânicos brasileiros, mas com anuência do Conselho de Gestão do Acesso ao Patrimônio Genético (Cgen), presidido pelo Ministério do Meio Ambiente.
A Funai informa que não mediou o acordo entre a Amei e os Kaxinawá e que a comunidade não se beneficiou da ação. Para o Ibama, o livro “pode conter um conjunto de ‘senhas’ para usos de plantas medicinais brasileiras, potencialmente úteis à saúde humana e cobiçadas pela indústria farmacêutica mundial”.
Após mais de um ano de investigação, Pamfílio e Hans Joseph Leusen, empresário de 73 anos, cônsul honorário da Holanda em Salvador e presidente da Amei, foram multados, no ano passado, em R$ 100 mil, sob a acusação de usar o conhecimento tradicional para prospectar, ilegalmente, plantas com potencial uso comercial. Ambos tiveram acesso ao conteúdo do “Livro Vivo”, sendo que os originais continuam na aldeia.
Em 2011, durante operação do Ibama no Baixo Rio Jordão, o pajé Augustinho afirmou, de acordo com relatório da investigação ao qual o GLOBO obteve acesso, que Pamfílio teria armazenado informações em seu notebook com a intenção de produzir dois livros, um de ensino vegetal e outro, o “Livro Vivo”, que seria composto por relatos feitos na floresta pelo próprio pajé, apresentando as plantas e seus respectivos usos. Em meados de 2012, com fortes dores abdominais, o pajé Augustinho caminhou para floresta em um ritual de morte. Hoje, a publicação está embargada.
“Leusen e Panfílio desenvolveram ardiloso mecanismo para obterem dados do conhecimento tradicional associado do povo Kaxinawá, mediante sutil aliciamento de seu pajé, com vistas a terem posse de informações peculiares sobre como e para quais finalidades devem ser utilizadas espécies da flora brasileira, em evidente bioprospecção”, pontua trecho do relatório de investigação.
Mas o Ibama não conseguiu provar se houve transferência do conhecimento absorvido pela Amei para agentes de dentro ou de fora do Brasil. Pamfilio e Leusen recorreram das autuações, e o processo administrativo no Ibama será julgado nos próximos dias. O cônsul holandês demonstra revolta com a ação do Ibama, que classifica como equivocada.
— Esse processo já me custou uma fortuna de advogados por uma coisa que nós não fizemos. Nós não fizemos nada de errado e estamos sendo multados. Esse livro é feito pelos índios, e nós iríamos ajudá-los. É completamente diferente (do que o Ibama afirma). Dentro do processo não há prova! Eu sou o cônsul da Holanda, eu plantei 140 mil árvores na Mata Atlântica, eu ajudo idosos na rua e o Ibama vem destruir o meu nome! — protesta Leusen, que admite que a negociação ocorreu sem autorização da Funai: — Vamos ser honestos: quando você pede alguma coisa para a Funai, você não recebe resposta. Nós fomos lá e fomos convidados pelos índios.
A sustentação é corroborada por Pamfílio, ao ressaltar que a Constituição assegura a qualquer pessoa livre acesso à terra indígena, desde que haja convite formalizado pela comunidade.
— Eu comuniquei à Funai o convite dos índios. Não é uma investigação científica de bioprospecção. É um trabalho educacional indígena, cuja língua nativa está se perdendo. Não é acesso aos conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético. Nem eu nem o Hans conhecemos laboratórios ou conversamos com laboratórios. Eu só quero concluir o meu trabalho — afirma Pamfílio.
Questionado, o Ibama sustentou a versão do relatório: “temos uma reunião de provas obtidas ao longo de meses de investigação que fornecem a materialidade necessária aos processos instaurados de penalização”. O resultado da apuração foi encaminhado ao Ministério Público Federal, mas, como é uma infração administrativa, processo no MPF foi arquivado.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/na-amazonia-uma-disputa-entre-consul-ibama-pelo-livro-sagrado-7862194#ixzz2NqwXlCIY

sexta-feira, 15 de março de 2013

Livro de historiador retrata Cel. Mâncio Lima como assassino e escravizador


Por duas décadas o livro foi censurado pela justiça
O historiador e professor Carlos Alberto Alves de Souza, acaba de lançar em Rio Branco a revista Pontos de Educação. Durante 17 anos, ele enfrentou um processo que se revelou escandaloso na Justiça estadual por causa do livro didático “História do Acre”, editado em 1992 pela M.M. Paim.

Por força de uma decisão liminar da juíza Maria Cezarinete, atual desembargadora e vice-presidente do Tribunal de Justiça, quatro mil exemplares da obra foram apreendidos e o julgamento do mérito protelado por quase duas décadas.
A reportagem e a entrevista é Altino Machado e publicadas por Terra Magazine / Blog da Amazônia, 12-03-2013.

O polêmico trecho do livro teve origem em reportagem deste blogueiro, publicada em 1983 na imprensa do Acre, dando conta que o coronel de barranco Mâncio Lima (1875-1950), tratado como herói pela história oficial, havia se valido de correrias -matança organizada de índios - e do trabalho escravo da etnia poyanáwa para transformar a fazenda Barão, no extremo-oeste do país, em modelo de prosperidade da economia regional.

A longa reportagem, com fotos e depoimentos dos indígenas, iniciava assim: “O velho índio poyanáwa Alberto Itxubãejamais esqueceu aquela madrugada de 1913, quando assistiu sua tribo acordar em pânico, sob o fogo cruzado de aproximadamente 50 rifles de repetição, acionados pelos homens do coronel de barranco Mâncio Agostinho Lima. Os assaltantes, cada um munido de uma centena de balas, atiraram todos juntos e à vontade. O curumim Itxubãe, que tinha cinco anos de idade, foi um dos poucos a conseguir escapar com vida daquele genocídio em moda na época pela ocupação do Acre e da Amazônia. Aqueles atiradores cumpriram fielmente as ordens do coronel, para que fossem poupadas mulheres e crianças”.

Dois filhos do coronel ajuizaram uma ação na 2ª Vara Cível de Rio Branco, os livros foram apreendidos e o autor teve que responder por crime de injúria, difamação e calúnia, além de um pedido de indenização milionária. O caso ganhou repercussão nacional, mobilizou a comunidade acadêmica, a Associação Nacional de História Oral e aSociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

Quando o processo teve início, Andressa Cibele, filha do historiador, tinha apenas cinco anos de idade, a mesma idade do curumim poyanáwa. Andressa cresceu, se formou em direito e foi quem assumiu a defesa do pai no processo que só foi julgado pela juíza Ivete Tabalipa em março de 2010.

A juíza avaliou que o livro não causou danos à imagem de Mâncio Lima, pois há relatos que a história ocorreu da forma contada. Além disso, considerou o fato de que, antes mesmo da obra ser publicada, diversos outros meios de comunicação relataram a história no mesmo sentido da que foi mencionada no livro.

- Essa mesma história tem versões distintas, dependendo do lado que se encontra, mas o direito de informação pertence a todos. Não se pode esconder uma versão da história, e a versão do historiador tem lastro nos inúmeros relatos mencionados, que não destoam. É a história contada e recontada com riqueza de detalhes por diversas pessoas – escreveu Ivete Tabalipa, que julgou a ação improcedente, condenou os filhos de Mâncio Lima ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios e pediu desculpas ao réu pela lentidão da Justiça na resolução do caso.

Na semana passada, quando lançou a revista, o historiador Carlos Alberto Alves de Souza quebrou o silêncio sobre o tormento que viveu durante 17 anos de censura.
Eis a entrevista.

Você lutou 17 anos pelo direito de publicar um livro. Como foi isso?

Na verdade foram 17 anos que ficamos sem contato com uma obra fisicamente, que foi publicada com dificuldades. Na época, o Manoel Paim era o editor e teve muito prejuízo, eu tive prejuízo também financeiro, pois tinha que me defender juridicamente. Como aquilo era o primeiro processo conta a minha pessoa, fiquei muito assustado. Não sabia onde aquilo iria dar. Os livros foram apreendidos. Investimento financeiro do editor e meu investimento de pesquisa, deixando público sem acesso.

Foram quantos anos de pesquisa?

Uns 15 anos de pesquisa. O mais interessante é que esse processo teve divulgação nacional e local também. Por causa disso, as pessoas passaram a procurar mais o livro. O termo correria, por exemplo, que é muito antigo, já era usado por outros estudiosos. Era um termo que as escolas não davam muito valor. O antropólogo Terri Vale de Aquino também usou esse termo. Até você, Altino, quando escreveu a reportagem tendo como base o trabalho do antropólogo. Acho importante que, a partir do processo da apreensão do livro, o termo correria começou a ser usado na escola.

A matança organizada de índios na Amazônia, sobretudo no Acre.

Na verdade foi uma revelação do que realmente ocorreu com os índios. Os heróis acreanos, as classes dominantes, tinham também as mão sujas. A história não era assim tão bonitinha como contavam. O processo despertou para outros debates. Passei a ser conhecido nacionalmente porque a Folha S. Paulo deu uma ênfase, a imprensa local também deu, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Então ficamos sem a obra circulando, mas em compensação o debate foi muito grande acerca disso. A Justiça nunca teve uma audiência para discutir isso. Simplesmente o processo aconteceu, o livro foi apreendido e ninguém ouviu nenhuma das partes. Depois de 17 anos, uma juíza chamou para uma audiência pediu desculpas em nome da Justiça pela apreensão do livro. A minha filha, que na época em que o livro foi apreendido tinha cinco anos de idade, foi minha advogada. O livro foi liberado e isso foi uma vitoria também da Andressa Cibele. Ela foi advogada e a minha testemunha foi o indigenista Antonio Macedo.

O processo era muito hostil. Em algum momento você chegou a se arrepender do livro?

Era mesmo muito hostil. Passei a ser hostilizado por setores da sociedade, mas também passei a ser conhecido por outras pessoas, que perguntavam nas ruas: Cadê o processo? E o livro? Apesar de todas as pressões, o processo ficou 17 anos parado. Mas eu não me arrependo. Fui muito inocente na época. Jamais imaginei que seria alvo de um processo daquela natureza. Eu poderia ter utilizado outra forma mais sutil para amplificar a denúncia, pois a denúncia não é minha. Foi feita por outras pessoas, como o Terri Vale de Aquino. Os índios também falavam sobre isso, só que ninguém dava atenção. Acredito que o processo visava muito mais a possibilidade de uma reparação financeira do que reparar a honra do coronel. Era muito mais para tentar ganhar dinheiro. Mas não me arrependo. Nos livros que passei a escrever, as denúncias são apresentadas sem citar nomes, para ninguém me processar mais. Uso agora um contexto mais geral.

O grande foco do livro era a figura do herói cultural Mâncio Lima.

A história oficial trata seus heróis muito mal. Trata de heróis só no público, mas não conta a história dos seus heróis na vida privada. Na vida privada, político ou governador, por exemplo, tem seus problemas, desilusões, ataques de fúria, problemas conjugais. Os pretensos heróis não são tratados na vida privada, só na vida pública. E eu tratei, expus a vida privada de um herói sacralizado na história oficial. Depois eles mesmo admitiram em livro, que usei como prova.

O que dizia o livro dos familiares do coronel?


Que eles mataram o cacique Napoleão. Era uma confissão no livro que eles escreveram. Havia também relatos de outras atrocidades. Contra os indígenas, sempre acontecem atrocidades. Mas olhando para trás, acho que a obra deu uma contribuição muito grande. Eu não esperava que ela estivesse essa conotação, mas teve.

Qual conotação?

De política, de mudar uma estrutura de como a história era contada, como passou a ser contada a partir dali, principalmente a história indígena no Acre. Eu não esperava essa conotação que teve com o processo. Durante um tempo a historiografia brasileira escamoteou muita coisa sobre os índios. A história indígena quase sempre foi contada a partir da história dos brancos. As histórias reais quase não são contadas nos livros didáticos até hoje. Independente da questão financeira, estava ali uma visão de história. Quem na verdade fez isso foi o antropólogoTerri Vale de Aquino. Li as obras dele, as entrevistas que dava nos jornais. Ninguém queria ler ou entender o antropólogo. A obra dele merece ser estuda mais e mais. Nem sei se o Terri Aquino quer isso, pois ele é meio arredio. O meu livro não é tão importante. O mais importante é a obra do Terri Aquino, que é anterior ao livro, e ninguém deu atenção. Terri Aquino está aí, vivo. Ele traz uma perspectiva nova da antropologia. Não é aquela perspectiva descritiva, mas uma antropologia que expõe o modo de vida das pessoas, das contradições dos índios.

O que fez após a liberação do livro pela Justiça?

Quando a edição foi apreendida, lancei logo a outra edição sem usar as denúncias diretas contra o coronel Mâncio Lima. Usei outros termos para fugir de processos, o que aprendi com jornalista. Processos judicias atrasam a vida da gente. Eu não ia ficar tentando quebrar o muro com a cabeça, mas as denúncias continuaram sem citar nomes. Acrescentei outros capítulos sobre violência, sobre mulheres.

Quantas edições?

O livro já está na décima edição. Meu livro, apesar do governo do Acre não reconhecer, muito menos a Biblioteca da Floresta dá atenção, já vendeu mais de cem mil cópias. É o best-seller do Acre. Só perco para o escritor amazonenseMárcio Souza aqui na Amazônia. Em todo canto tem meu livro. Se eu tirar mil cópias agora, vendo amanhã as mil cópias. Todas as edições estão esgotadas e estão me pedindo mais.

Quem é leitor do seu livro?

Alunos de primeiro grau, pessoas que fazem concurso, o pessoal que vai fazer vestibular, fazer Enem e a população como um todo.

Pretende fazer alguma edição voltando a citar o nome do coronel?

Não. Eu posso até fazer um livro sobre a história do processo para um debate historiográfico. Não é que eu queira negar a história, mas não quero perder tempo. Posso fazer essas denúncias sem citar nomes de seringalista. Mas estou reescrevendo o livro com outros capítulos sobre religiões. Coloquei numa edição sobre os católicos, mas vou incluir os protestantes, o Santo Daime, outras religiões e outras questões que estou pesquisando. A cada cinco anos renovo o livro.

Considera que foi censurado?

Sim. A justiça agiu de forma a atender os interesses de classes, estava do lado de uma pessoa que era do estado. Eu não representava muita coisa naquele momento. Era apenas um historiador que estava desonrando e desmoralizando um herói. A Justiça entendeu que a obra não tinha que circular. O pensamento na época era esse. Mas a juíza que julgou o caso 17 anos depois foi muito digna. Não esperava que ela tivesse aquela atitude de pedir desculpas em nome da Justiça. Achei ela uma pessoa muito serena, muito justa.

Quer acrescentar algo?


Que a história da população indígena está toda por ser reescrita. A gente vai olha, vai e olha de novo, mas acaba se perdendo porque não sabemos lidar com isso. Sinceramente, depois do processo, andei fazendo muita reflexão sobre isso. Nem me atrevo muito hoje a escrever sobre populações indígenas. Para isso é necessário conviver com elas. Hoje sou mais dedicado à história do que antes. Depois do processo, me dediquei muito mais ao trabalho de história e continuo pesquisando, continuo escrevendo, continuo levantando questões. O processo me amadureceu. Eu fiquei com muito medo no início. Só não fui preso por causa da atuação da então promotora Patrícia Rêgo, que chefia atualmente o Ministério Público do Acre. Morreram as partes, morreram as testemunhas. No processo só restava eu, a minha filha como advogada, o indigenista Antonio Macedo como minha testemunha, além do ex-deputado Osmir Lima, que foi testemunha deles, mas na hora sugeriu o fim do processo. Ele não me sacaneou.

Esquecemos de falar sobre a revista. Qual o foco dela?

A Amazônia é plural culturalmente e exige um espaço editorial acadêmico também plural. Em sendo plural a cultura da Amazônia, também exigem-se debates a respeito das culturas que se estabelecem na região. A revista Pontosdeve ter, por excelência, o respeito a estas culturas, aos modos de vida que homens e mulheres criam e recriam nos espaços territoriais amazônicos. Pontos também abre espaços para textos que tratem de questões nacionais e internacionais. Optamos por uma prática que privilegie o diálogo entre teorias e evidências, sendo as evidências as próprias culturas que se apresentam a nós e que devem ser, ao mesmo tempo, problematizadas por nossas reflexões. Temos a consciência de que muitas questões consideradas como insignificantes, por sua pouca conotação política, tornar-se-ão grandes diante de nossas preocupações

segunda-feira, 11 de março de 2013

A Invenção do Povo Judeu e o Estado Neofacista de Israel

Segundo Nathan Birbaum, o intelectual judeu que inventou em 1891 o conceito de sionismo, é a biologia e não a língua e a cultura quem explica a formação das nações. Para ele, a raça é tudo. E o povo judeu teria sido quase o único a preservar a pureza do sangue através de milênios.


Miguel Urbano Rodrigues, no Brasil de Fato

Uma chuva de insultos fustigou, em Israel, Shlomo Sand (foto) quando publicou um livro cujo título - “Como foi inventado o povo judeu” - desmonta mitos bíblicos que são cimento do Estado sionista.
O professor de Historia Contemporânea na Universidade de Tel Aviv nega que os judeus constituam um povo com uma origem comum e sustenta que foi uma cultura específica, e não a descendência de uma comunidade arcaica unida por laços de sangue, o instrumento principal da fermentação pré-nacional.

Para ele, o “Estado judaico de Israel”, longe de ser a concretização do sonho nacional de uma comunidade étnica com mais de 4.000 anos, foi tornado possível por uma falsificação da história dinamizada no século XIX por intelectuais como Theodor Herzl.

Enquanto acadêmicos israelenses insistem em afirmar que os judeus são um povo com um DNA próprio, Sand, baseado numa documentação exaustiva, ridiculariza essa tese não-científica.
Não há, aliás, pontes biológicas entre os antigos habitantes dos reinos da Judeia e de Israel e os judeus do nosso tempo.

O mito étnico contribuiu poderosamente para o imaginário cívico. As suas raízes mergulham na Bíblia, fonte do monoteísmo hebraico. Tal como a Ilíada, o Antigo testamento não é obra de um único autor. Sand define-o como “biblioteca extraordinária” que terá sido escrita entre os séculos VI e II antes da Nossa Era. O mito principia com a invenção do “povo sagrado”, a quem foi anunciada a terra prometida de Canaã.

Carecem de qualquer fundamento histórico a interminável viagem de Moisés e do seu povo rumo à Terra Santa e a sua conquista posterior. Cabe lembrar que o atual território da Palestina era então parte integrante do Egito faraônico.

A mitologia dos sucessivos exílios, difundida através dos séculos, acabou por ganhar a aparência de verdade histórica. Mas foi forjada a partir da Bíblia e ampliada pelos pioneiros do sionismo.
As expulsões em massa de judeus pelos assírios são uma invencionice. Não há registro delas em fontes históricas credíveis.

O grande exílio da Babilônia é tao falso como o das grandes diásporas, quando Nabucodonosor tomou Jerusalém, destruiu o Templo e expulsou da cidade um segmento das elites. Mas a Babilônia era há muito a cidade de residência, por opção própria, de uma numerosa comunidade judaica. Foi ela o núcleo das criatividades dos rabinos que falavam aramaico e introduziram importantes reformas na religião mosaica. Sublinhe-se que somente uma pequena minoria dessa comunidade voltou à Judeia quando o imperador persa Ciro conquistou Jerusalém no início do Califado Abássida, no século VIII da Nossa Era.

Quando os centros da cultura judaica de Babilônia se desagregaram, os judeus emigram para Bagdá, e não para a “Terra Santa”.

Sand dedica atenção especial aos “Exílios” como mitos fundadores da identidade étnica.

As duas “expulsões” dos judeus no período Romano, a primeira por Tito e a segunda por Adriano, que teriam sido o motor da grande diáspora, são tema de uma reflexão aprofundada pelo historiador israelense.

Os jovens judeus aprendem nas escolas que “a nação judaica” foi exilada pelos Romanos após a destruição do II Templo por Tito e, posteriormente, por Adriano em 132. Por si só, o texto fantasista de Flavius Joseph, testemunha da revolta dos zelotas, retira a credibilidade dessa versão, hoje oficial. Segundo ele, os romanos massacraram então 1.100.000 judeus e prenderam 97.000. Isso numa época em que a população total da Galileia era, segundo os demógrafos atuais, muito inferior a meio milhão.

As escavações arqueológicas das ultimas décadas em Jerusalém e na Cisjordânia criaram, aliás, problemas insuperáveis aos universitários sionistas que “explicam” a história do povo judeu tomando a Torah e a palavra dos Patriarcas como referências infalíveis. Os desmentidos da arqueologia perturbaram os historiadores. Ficou provado que Jericó era pouco mais do que uma aldeia sem as poderosas muralhas que a Bíblia cita. As revelações sobre as cidades de Canaã alarmaram também os rabinos. A arqueologia moderna sepultou o discurso da antropologia social religiosa.

Em Jerusalém, não foram encontrados sequer vestígios das grandiosas construções que, segundo o Livro, a transformaram no século XX, a época dourada de David e Salomão, na cidade monumental do “povo de Deus” que deslumbrava quantos a conheceram. Nem palácios, nem muralhas, nem cerâmica de qualidade.

O desenvolvimento da tecnologia do carbono 14 permitiu uma conclusão. Os grandes edifícios da região Norte não foram construídos na época de Salomão, mas no período do reino de Israel.
“Não existe, na realidade, nenhum vestígio - escreve Shlomo Sand - da existência desse rei lendário, cuja riqueza é descrita pela Bíblia em termos que fazem dele quase o equivalente aos poderosos reis da Babilônia e da Pérsia”. “Se uma entidade política existiu na Judeia do século X antes da Nossa Era - acrescenta o historiador - somente poderia ser uma microrrealeza tribal e Jerusalém apenas uma pequena cidade fortificada”

É também significativo que nenhum documento egípcio refira a “conquista” pelos judeus de Canaã, território que então pertencia ao faraó.

O silêncio sobre as conversões

A historiografia oficial israelense, ao erigir em dogma a pureza da raça, atribui a sucessivas diásporas a formação das comunidades judaicas em dezenas de países.

A Declaração de Independência de Israel afirma que os judeus esforçaram-se ao longo dos séculos para regressar ao país dos seus antepassados. Trata-se de uma mentira que falsifica grosseiramente a História. A grande diáspora é ficcional, como as demais. Após a destruição de Jerusalém e a construção de Aelia Capitolina, somente uma pequena minoria da população foi expulsa. A esmagadora maioria permaneceu no país.

Qual a origem, então, dos antepassados de uns 12 milhões de judeus hoje existentes fora de Israel?
Na resposta a essa pergunta, o livro de Shlomo Sand destrói simultaneamente o mito da pureza da raça, isto é, da etnicidade judaica.

Uma abundante documentação reunida por historiadores de prestígio mundial revela que nos primeiros séculos da Nossa Era houve maciças conversões ao judaísmo na Europa, na Ásia e na África. Três delas foram particularmente importantes e incomodam os teólogos israelenses.

O Alcorão esclarece que Maomé encontrou em Medina, na fuga de Meca, grandes tribos judaicas com as quais entrou em conflito, acabando por expulsá-las. Mas não esclarece que no extremo sul da Península Arábica, no atual Iêmen, o reino de Hymar adotou o judaísmo como religião oficial. No século VII, o Islão implantou-se na região, mas, transcorridos treze séculos, quando se formou o Estado de Israel, dezenas de milhares de iemenitas falavam o árabe, mas continuavam a professar a religião judaica. A maioria emigrou para Israel onde, aliás,é discriminada.

No Império Romano, o judaísmo também criou raízes. O tema mereceu a atenção do historiador Díon Cassius e do poeta Juvenal. Na Cirenaica, a revolta dos judeus da cidade de Cirene exigiu a mobilização de várias legiões para a combater. Mas foi sobretudo no extremo ocidental da África que houve conversões em massa à religião rabínica. Uma parcela ponderável das populações berberes aderiu ao judaísmo e a elas se deve a sua introdução no Al Andalus. Foram esses magrebinos que difundiram na Península o judaísmo, os pioneiros dos sefarditas que, após a expulsão de Espanha e Portugal, se exilaram em diferentes países europeus, na África muçulmana e na Turquia.

Mais importante pelas suas consequências foi a conversão ao judaísmo dos Khazars, um povo nômade turcófono, aparentado com os hunos, que, vindo do Altai, se fixou no século IV nas estepes do baixo Volga.

Os Khazars, que toleravam bem o cristianismo, construíram um poderoso estado judaico, aliado de Bizâncio nas lutas do Império Romano do Oriente contra os Persas Sassânidas.

Esse esquecido império medieval ocupava uma área enorme, do Volga à Crimeia e do Don ao atual Uzbequistão. Desapareceu da História no século XIII quando os Mongóis invadiram a Europa, destruindo tudo por onde passavam. Milhares de Khazars, fugindo das Hordas de Batu Khan, dispersaram-se pela Europa Oriental. A sua principal herança cultural foi inesperada. Grandes historiadores medievalistas, como Renan e Marc Bloch, identificam nos Kahzars os antepassados dos asquenazes, cujas comunidades na Polônia, na Rússia e na Romênia viriam a desempenhar um papel fulcral na colonização judaica da Palestina.

Um Estado neofascista

Segundo Nathan Birbaum, o intelectual judeu que inventou em 1891 o conceito de sionismo, é a biologia e não a língua e a cultura quem explica a formação das nações. Para ele, a raça é tudo. E o povo judeu teria sido quase o único a preservar a pureza do sangue através de milênios.

Morreu sem compreender que essa tese racista, a prevalecer, apagaria o mito do povo sagrado eleito por Deus. Porque os judeus são um povo filho de uma cadeia de mestiçagens. O que lhes confere uma identidade própria é uma cultura e a fidelidade a uma tradição religiosa enraizada na falsificação da História.

Nos passaportes do Estado judaico de Israel não é aceita a nacionalidade israelense. Os cidadãos de pleno direito escrevem “judeu”. Os palestinos devem escrever “árabe”, nacionalidade inexistente.
Ser cristão, budista, mazdeista, muçulmano ou hindu resulta de uma opção religiosa, não é uma nacionalidade. O judaísmo também não é uma nacionalidade.

Em Israel, não há casamento civil. Para os judeus, é obrigatório o casamento religioso, mesmo que sejam ateus. Essa aberração é inseparável de muitas outras num Estado confessional, etnocracia liberal construída sobre mitos, um Estado que trocou o yiddish, falado pelos pioneiros do “regresso a Terra Santa”, pelo sagrado hebraico dos rabinos, desconhecido do povo da Judeia que se expressava em aramaico, a língua em que a Bíblia foi redigida na Babilônia, e não em Jerusalém.

O “Estado do Povo Judeu” assume-se como democrático. Mas a realidade nega a lei fundamental aprovada pelo Knesset. Não pode ser democrático um Estado que trata como párias de novo tipo 20% da população do país, um Estado nascido de um monstruoso genocídio em terra alheia, um Estado cuja prática apresenta matizes neofascistas.

O livro de Shlomo Sand sobre a invenção do Povo Judeu é, além de um lúcido ensaio histórico, um ato de coragem. Aconselho sua leitura para todos aqueles a quem a fronteira da opção de esquerda passa, hoje, pela solidariedade com o povo mártir da Palestina e a condenação do sionismo.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Atahualpa: como uma acusação de ”desrespeitar a bíblia” serviu para atraiçoar, sequestrar e matar o penúltimo Inca


A história é bem conhecida.
Tendo à frente de um exército que Atahualpa considerava como seus aliados, o padre Vicente Valverde teria lhe entregue uma bíblia e lhe dito ”esta é a palavra de Deus”. Atahualpa então teria aproximado a bíblia de seu ouvido e ao perceber que ela não emitia som algum a teria jogado ao chão.
Em uma outra versão recorrente do episódio, os espanhóis teriam antes jogado ao chão uma taça de uma “bebida sagrada” oferecida pelo Inca (provavelmente chicha- bebida fermentada de milho). A desfeita teria motivado a ação de Atahualpa.
O gesto de Atahualpa teria sido a “deixa” para que o exército espanhol dizimasse cerca de dois mil incas. Uma traição, haja visto que estavam sob a condição de “aliados”.
Atahualpa foi sequestrado e colocado em um cômodo. Os cristãos espanhóis exigiram como resgate que o cômodo onde se encontrava Atahualpa fosse preenchido até a altura de sua cabeça com peças de ouro e o dobro em prata.
Pago o resgate, mais, uma vez os cristãos espanhóis mentiram, e condenaram Atahualpa por “idolatria”. Atahualpa foi assassinado através de “garroteamento”, a forma mais vil de enforcamento. Tão cristão