segunda-feira, 11 de março de 2013

A Invenção do Povo Judeu e o Estado Neofacista de Israel

Segundo Nathan Birbaum, o intelectual judeu que inventou em 1891 o conceito de sionismo, é a biologia e não a língua e a cultura quem explica a formação das nações. Para ele, a raça é tudo. E o povo judeu teria sido quase o único a preservar a pureza do sangue através de milênios.


Miguel Urbano Rodrigues, no Brasil de Fato

Uma chuva de insultos fustigou, em Israel, Shlomo Sand (foto) quando publicou um livro cujo título - “Como foi inventado o povo judeu” - desmonta mitos bíblicos que são cimento do Estado sionista.
O professor de Historia Contemporânea na Universidade de Tel Aviv nega que os judeus constituam um povo com uma origem comum e sustenta que foi uma cultura específica, e não a descendência de uma comunidade arcaica unida por laços de sangue, o instrumento principal da fermentação pré-nacional.

Para ele, o “Estado judaico de Israel”, longe de ser a concretização do sonho nacional de uma comunidade étnica com mais de 4.000 anos, foi tornado possível por uma falsificação da história dinamizada no século XIX por intelectuais como Theodor Herzl.

Enquanto acadêmicos israelenses insistem em afirmar que os judeus são um povo com um DNA próprio, Sand, baseado numa documentação exaustiva, ridiculariza essa tese não-científica.
Não há, aliás, pontes biológicas entre os antigos habitantes dos reinos da Judeia e de Israel e os judeus do nosso tempo.

O mito étnico contribuiu poderosamente para o imaginário cívico. As suas raízes mergulham na Bíblia, fonte do monoteísmo hebraico. Tal como a Ilíada, o Antigo testamento não é obra de um único autor. Sand define-o como “biblioteca extraordinária” que terá sido escrita entre os séculos VI e II antes da Nossa Era. O mito principia com a invenção do “povo sagrado”, a quem foi anunciada a terra prometida de Canaã.

Carecem de qualquer fundamento histórico a interminável viagem de Moisés e do seu povo rumo à Terra Santa e a sua conquista posterior. Cabe lembrar que o atual território da Palestina era então parte integrante do Egito faraônico.

A mitologia dos sucessivos exílios, difundida através dos séculos, acabou por ganhar a aparência de verdade histórica. Mas foi forjada a partir da Bíblia e ampliada pelos pioneiros do sionismo.
As expulsões em massa de judeus pelos assírios são uma invencionice. Não há registro delas em fontes históricas credíveis.

O grande exílio da Babilônia é tao falso como o das grandes diásporas, quando Nabucodonosor tomou Jerusalém, destruiu o Templo e expulsou da cidade um segmento das elites. Mas a Babilônia era há muito a cidade de residência, por opção própria, de uma numerosa comunidade judaica. Foi ela o núcleo das criatividades dos rabinos que falavam aramaico e introduziram importantes reformas na religião mosaica. Sublinhe-se que somente uma pequena minoria dessa comunidade voltou à Judeia quando o imperador persa Ciro conquistou Jerusalém no início do Califado Abássida, no século VIII da Nossa Era.

Quando os centros da cultura judaica de Babilônia se desagregaram, os judeus emigram para Bagdá, e não para a “Terra Santa”.

Sand dedica atenção especial aos “Exílios” como mitos fundadores da identidade étnica.

As duas “expulsões” dos judeus no período Romano, a primeira por Tito e a segunda por Adriano, que teriam sido o motor da grande diáspora, são tema de uma reflexão aprofundada pelo historiador israelense.

Os jovens judeus aprendem nas escolas que “a nação judaica” foi exilada pelos Romanos após a destruição do II Templo por Tito e, posteriormente, por Adriano em 132. Por si só, o texto fantasista de Flavius Joseph, testemunha da revolta dos zelotas, retira a credibilidade dessa versão, hoje oficial. Segundo ele, os romanos massacraram então 1.100.000 judeus e prenderam 97.000. Isso numa época em que a população total da Galileia era, segundo os demógrafos atuais, muito inferior a meio milhão.

As escavações arqueológicas das ultimas décadas em Jerusalém e na Cisjordânia criaram, aliás, problemas insuperáveis aos universitários sionistas que “explicam” a história do povo judeu tomando a Torah e a palavra dos Patriarcas como referências infalíveis. Os desmentidos da arqueologia perturbaram os historiadores. Ficou provado que Jericó era pouco mais do que uma aldeia sem as poderosas muralhas que a Bíblia cita. As revelações sobre as cidades de Canaã alarmaram também os rabinos. A arqueologia moderna sepultou o discurso da antropologia social religiosa.

Em Jerusalém, não foram encontrados sequer vestígios das grandiosas construções que, segundo o Livro, a transformaram no século XX, a época dourada de David e Salomão, na cidade monumental do “povo de Deus” que deslumbrava quantos a conheceram. Nem palácios, nem muralhas, nem cerâmica de qualidade.

O desenvolvimento da tecnologia do carbono 14 permitiu uma conclusão. Os grandes edifícios da região Norte não foram construídos na época de Salomão, mas no período do reino de Israel.
“Não existe, na realidade, nenhum vestígio - escreve Shlomo Sand - da existência desse rei lendário, cuja riqueza é descrita pela Bíblia em termos que fazem dele quase o equivalente aos poderosos reis da Babilônia e da Pérsia”. “Se uma entidade política existiu na Judeia do século X antes da Nossa Era - acrescenta o historiador - somente poderia ser uma microrrealeza tribal e Jerusalém apenas uma pequena cidade fortificada”

É também significativo que nenhum documento egípcio refira a “conquista” pelos judeus de Canaã, território que então pertencia ao faraó.

O silêncio sobre as conversões

A historiografia oficial israelense, ao erigir em dogma a pureza da raça, atribui a sucessivas diásporas a formação das comunidades judaicas em dezenas de países.

A Declaração de Independência de Israel afirma que os judeus esforçaram-se ao longo dos séculos para regressar ao país dos seus antepassados. Trata-se de uma mentira que falsifica grosseiramente a História. A grande diáspora é ficcional, como as demais. Após a destruição de Jerusalém e a construção de Aelia Capitolina, somente uma pequena minoria da população foi expulsa. A esmagadora maioria permaneceu no país.

Qual a origem, então, dos antepassados de uns 12 milhões de judeus hoje existentes fora de Israel?
Na resposta a essa pergunta, o livro de Shlomo Sand destrói simultaneamente o mito da pureza da raça, isto é, da etnicidade judaica.

Uma abundante documentação reunida por historiadores de prestígio mundial revela que nos primeiros séculos da Nossa Era houve maciças conversões ao judaísmo na Europa, na Ásia e na África. Três delas foram particularmente importantes e incomodam os teólogos israelenses.

O Alcorão esclarece que Maomé encontrou em Medina, na fuga de Meca, grandes tribos judaicas com as quais entrou em conflito, acabando por expulsá-las. Mas não esclarece que no extremo sul da Península Arábica, no atual Iêmen, o reino de Hymar adotou o judaísmo como religião oficial. No século VII, o Islão implantou-se na região, mas, transcorridos treze séculos, quando se formou o Estado de Israel, dezenas de milhares de iemenitas falavam o árabe, mas continuavam a professar a religião judaica. A maioria emigrou para Israel onde, aliás,é discriminada.

No Império Romano, o judaísmo também criou raízes. O tema mereceu a atenção do historiador Díon Cassius e do poeta Juvenal. Na Cirenaica, a revolta dos judeus da cidade de Cirene exigiu a mobilização de várias legiões para a combater. Mas foi sobretudo no extremo ocidental da África que houve conversões em massa à religião rabínica. Uma parcela ponderável das populações berberes aderiu ao judaísmo e a elas se deve a sua introdução no Al Andalus. Foram esses magrebinos que difundiram na Península o judaísmo, os pioneiros dos sefarditas que, após a expulsão de Espanha e Portugal, se exilaram em diferentes países europeus, na África muçulmana e na Turquia.

Mais importante pelas suas consequências foi a conversão ao judaísmo dos Khazars, um povo nômade turcófono, aparentado com os hunos, que, vindo do Altai, se fixou no século IV nas estepes do baixo Volga.

Os Khazars, que toleravam bem o cristianismo, construíram um poderoso estado judaico, aliado de Bizâncio nas lutas do Império Romano do Oriente contra os Persas Sassânidas.

Esse esquecido império medieval ocupava uma área enorme, do Volga à Crimeia e do Don ao atual Uzbequistão. Desapareceu da História no século XIII quando os Mongóis invadiram a Europa, destruindo tudo por onde passavam. Milhares de Khazars, fugindo das Hordas de Batu Khan, dispersaram-se pela Europa Oriental. A sua principal herança cultural foi inesperada. Grandes historiadores medievalistas, como Renan e Marc Bloch, identificam nos Kahzars os antepassados dos asquenazes, cujas comunidades na Polônia, na Rússia e na Romênia viriam a desempenhar um papel fulcral na colonização judaica da Palestina.

Um Estado neofascista

Segundo Nathan Birbaum, o intelectual judeu que inventou em 1891 o conceito de sionismo, é a biologia e não a língua e a cultura quem explica a formação das nações. Para ele, a raça é tudo. E o povo judeu teria sido quase o único a preservar a pureza do sangue através de milênios.

Morreu sem compreender que essa tese racista, a prevalecer, apagaria o mito do povo sagrado eleito por Deus. Porque os judeus são um povo filho de uma cadeia de mestiçagens. O que lhes confere uma identidade própria é uma cultura e a fidelidade a uma tradição religiosa enraizada na falsificação da História.

Nos passaportes do Estado judaico de Israel não é aceita a nacionalidade israelense. Os cidadãos de pleno direito escrevem “judeu”. Os palestinos devem escrever “árabe”, nacionalidade inexistente.
Ser cristão, budista, mazdeista, muçulmano ou hindu resulta de uma opção religiosa, não é uma nacionalidade. O judaísmo também não é uma nacionalidade.

Em Israel, não há casamento civil. Para os judeus, é obrigatório o casamento religioso, mesmo que sejam ateus. Essa aberração é inseparável de muitas outras num Estado confessional, etnocracia liberal construída sobre mitos, um Estado que trocou o yiddish, falado pelos pioneiros do “regresso a Terra Santa”, pelo sagrado hebraico dos rabinos, desconhecido do povo da Judeia que se expressava em aramaico, a língua em que a Bíblia foi redigida na Babilônia, e não em Jerusalém.

O “Estado do Povo Judeu” assume-se como democrático. Mas a realidade nega a lei fundamental aprovada pelo Knesset. Não pode ser democrático um Estado que trata como párias de novo tipo 20% da população do país, um Estado nascido de um monstruoso genocídio em terra alheia, um Estado cuja prática apresenta matizes neofascistas.

O livro de Shlomo Sand sobre a invenção do Povo Judeu é, além de um lúcido ensaio histórico, um ato de coragem. Aconselho sua leitura para todos aqueles a quem a fronteira da opção de esquerda passa, hoje, pela solidariedade com o povo mártir da Palestina e a condenação do sionismo.

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