quinta-feira, 2 de maio de 2013

Cruzeiro do Sul e o Kambô merecem respeito (Parte 1)


A praça do centro cultural ainda estava em festa com as comemorações da vitória na Dança da Galera, quando o programa da mesma emissora anunciou uma nova reportagem sobre o Kambô.
Refletindo o caráter da emissora, a reportagem tendenciosa e superficial tratou de criminalizar a substância, o conhecimento tradicional e as pessoas que dela fazem uso. Nada disso surpreende.
Minutos antes, o kambô era retratado na coreografia vitoriosa como um dos símbolos da cidade.
Mas por que razão o kambô conhecido por diversos povos em toda Amazônia Ocidental em pelo menos três países, acabou se tornando um símbolo de Cruzeiro do Sul?
Quem quiser saber a resposta, deve visitar a singela casa de Dona Davina, no bairro da Boca da Alemanha. Davina é a viúva do ex-seringueiro Francisco Gomes Muniz, principal difusor da “vacina do sapo”. Francisco Gomes conviveu com os katukinas na década de 60 e trouxe a medicina para o âmbito urbano de Cruzeiro do Sul, a partir de onde se iniciou a difusão deste conhecimento para o restante do país.
Há menos de um mês a casa de Dona Davina recebeu a visita do repórter Gérson de Souza, da TV Record. Gérson tomou café-da-manhã, provou da tapioca e do cuzcuz de Dona Davina, conversou demoradamente com seus filhos e netos a respeito do kambô, e, o mais importante, solicitou por escrito o uso de sua imagem. Isto não impediu que Gérson abordasse também os aspectos polêmicos da “vacina do sapo”, como a biopirataria e a morte em Pindamonhangaba-SP.
Quanta diferença no tratamento dos repórteres da Globo! Os mesmos chegaram com suas câmeras ligadas, tomando imagens e acusando a todos de biopirataria. Não muito diferente do tratamento que tiveram com um professor da USP no episódio do vazamento de um isótopo radioativo no campus universitário (essa fica para outra ocasião). Por isso, não surpreende que o resultado seja criminalizatório: é o jeito da emissora lidar com a pauta.
Foi o kambô, mas poderia ter sido um isótopo radioativo, ou uma acusação infundada de abuso sexual na Escola de Base (a Globo, juntamente com outros meios de comunicação foi condenada a pagar mais de um milhão de reais por ter transformado educadores em monstros estupradores perante a opinião pública brasileira).
Gostem ou não, o kambô faz parte da cultura de Cruzeiro do Sul. Tratá-lo de maneira criminalizatória, significa condenar parte importante da nossa história.
Resta agora saber como queremos entrar para a história da humanidade: pela porta de trás, como responsáveis pelo tráfico e pela biopirataria, ou pela porta da frente da frente, como o povo que com o seu conhecimento, contribuiu para a cura de inúmeras doenças. (continua)

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