quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A jornalista presa e o "barbosismo"

Há alguns dias venho tentando decifrar o episódio ocorrido com a colega jornalista Jaqueline Teles.

Detida no domingo de eleição sob a acusação de "transporte ilegal de eleitores", a jornalista foi encaminhada à unidade prisional feminina, onde passou a noite em uma cela, e liberada somente após apresentação de alvará de soltura, no dia seguinte, pela manhã.

Ainda que tudo tenha transcorrido "dentro da lei", uma análise dos fatos transcorridos neste dia, me levam a crer que houve excessos de um lado e tolerância demais, de outro.

Jaqueline é comunista. Milita no PCdoB deste a adolescência, trabalha em uma secretaria de governo cuja cota pertence ao PCdoB, exatamente como prevêem as regras do jogo democrático.

No dia "Jackie", como é chamada pelos colegas, de fato transportava uma amiga sua de infância, igualmente comunista, e com dificuldade de locomoção, e mais três vizinhos, que segundo a mesma votariam na mesma sessão eleitoral.

Segundo um dirigente da UJS, os três vizinhos também fariam parte da entidade jovem, ou seja, não se encaixavam de modo algum no perfil de eleitores que pudessem ser aliciados no dia da eleição. Eram votos seguros de militantes.

Este me parece que seja o objetivo principal da lei que proíbe o transporte de eleitores: evitar o aliciamento.

Pelas regras específicas vigentes no dia das eleições Jackie errou. Não questiono o fato de ela ter sido detida e nem que ela pague pelo seu erro. Contudo, a maneira como tudo transcorreu nesse dia, é no mínimo, suspeitoso.

Primeiro

Por que, em meio a tantos outros detidos que foram liberados antes do final do dia, outros que foram liberados após as eleições, alguns inclusive por compra de voto, Jaqueline Teles, a comunista, foi encaminhada a unidade prisional feminina? O recado era claro: fazer a prisão da jornalista "vermelha"um exemplo de combate à "corrupção" e ao "aparelhamento do estado".

Segundo

Por que neste mesmo dia, internautas publicaram nas redes sociais, fotos do prefeito acompanhado da primeira-dama candidata, igualmente adesivados passeando livremente entre eleitores nas sessões?

Terceiro

Na noite anterior à eleição, carros de campanha lançaram nas portas das sessões eleitorais, milhares de "santinhos", em flagrante desrespeito à legislação eleitoral. É óbvio que a volumosa presença deste material de campanha pode sim, influenciar a decisão do eleitor, em especial aqueles menos esclarecidos, ou que simplesmente ainda não tenham decidido seu voto.

O "lixo eleitoral" permaneceu intocável durante todo o dia das eleições. Quando tive a oportunidade de questionar a juíza responsável pela 4 Zona Eleitoral sobre o derrame ilegal de material de campanha, a mesma afirmou, durante entrevista que já havia pactuado com o chefe de gabinete do prefeito que o mesmo providenciaria a retirada do material na segunda feira pela manhã.

Aparentemente, à juíza importava apenas o aspecto "lixo"da questão e menos o aspecto "eleitoral". Na sua avaliação, o material derramado não seria capaz de influenciar na decisão do eleitor.

Ocorre que, horas antes, nos minutos que antecediam o início da votação, quase que no exato momento em que a repórter pelo rádio aponta o problema do "lixo eleitoral", surge uma mensagem no celular do colega ao lado do mesmo chefe de gabinete da prefeitura com quem a juíza pactou a retirada do material somente para o dia seguinte.
A mensagem do chefe de gabinete do prefeito, pressionava o colega para que o mesmo não deixasse eu me pronunciar sobre o "lixo eleitoral".

O sentimento geral é de que para uns foram aplicados os "rigores da lei", enquanto para outros, "os favores da lei".  A escolha de dar maior ou menor importância às denúncias, é totalmente subjetivo, e é justamente aí que se revela o chamado "barbosismo".

"Barbosismo"

Diante destes fatos sobra ainda a mais ululante obviedade de que não é fácil fazer uma desconhecida em sua própria terra receber votos até em Santa Rosa do Purus e Jordão.

Some a isso, uma obra inacabada de custo exarcebado (3,5 milhões), onde faltou a decência de instalar mictórios por ocasião da inauguração. Enquanto isso, o material de campanha da candidata "oficial"da prefeitura ganha um tom onipresente nas ruas da cidade.

Circunstâncias destas bastariam para que qualquer autoridade interessada em promover eleições limpas, ficasse de "orelha em pé".

Mas, por alguma razão, nada disso despertou a subjetividade adormecida da juíza.

A desconfiança, que deveria ter sido distribuída em igual medida para pelo menos dois dos três campos políticos (o grupo de Bocalom não tinha dinheiro, e foi, na minha avaliação, o maior prejudicado), concentrou-se em apenas um.

Não creio, como muitos afirmaram no dia, que tenha havido a "compra" do TRE. Acredito mais na hipótese do "barbosismo" nas instituições brasileiras.

Explico

A passagem de Joaquim Barbosa pelo Supremo tornou-o um bastião da luta contra a corrupção para milhões.
O símbolo de um "Batman" lutando contra a corrupção é extremanente poderosa e catalizadora dos anseios dos brasileiros.
Contudo, o "mito" em torno de Joaquim Barbosa esconde uma falácia extremamente danosa à democracia: a idéia de que a corrupção em nosso país, é obra de um partido, especificamente o PT.

A desconfiança de que esta ideia tenha sido disseminada deliberadamente, é plausível, já que o mesmo "Barbosão" que foi inclemente com os supostos mensaleiros, arredou o pé do Supremo antes de julgar o crime análogo cometido pelos tucanos.

Em todo Brasil generalizou-se o sentimento de que ao se combater o PT, estaria-se imediatamente combatendo a corrupção no país.

Entre os eleitores, consolidou-se a ideia que para combater a corrupção, bastaria se votar nos partidos adversários ao PT.

Entre as instituições, há evidências de que por vezes são cometidos excessos em nome do "combate à corrupção", transformado agora em perseguição partidária, muito útil aos adversários do partido, mas como já falei, danosa à democracia.

No Estado do Acre não há exemplo maior de "barbosismo" que a famigerada "Operação G7". A operação deflagrada pela Polícia Federal lançou sombras de dúvidas sobre dezenas de gestores, inclusive sobre o mandatário do executivo, mas não foi capaz de responder nenhuma das dúvidas que levantou antes do período eleitoral.

Isso significa dizer que a PF, com a sua estriônica "Operação G7", até o momento não conseguiu nada além de municiar a oposição com "suspeitas" não respondidas que apenas servirão de base para material panfletário.

Das duas uma: ou a PF age de modo irresponsável em suas açoes midiáticas, ou é deliberadamente golpista (ou "barbosista").

Acredito que este mesmo sentimento de que "combater o PT (e todos os "vermelhos") é combater a corrupção" tenha se enraizado principalmente entre a jovem magistratura brasileira, tomada de um sincero anseio de livrar o país de um de seus maiores males, a corrpução, mas ao mesmo tempo, vítima de uma concepção equivocada: a de que a corrupção seja um fenômeno partidário.

No mais recente episódio de golpe da América Latina, movido contra o presidente de Honduras, houve uma articulação jurídico-militar que sob a acusação de corrupção, depôs o presidente Zelaya.

É mais do que evidente que atores semelhantes tentaram mover algo neste sentido durante as manifestações de junho. Felizmente, os brasileiros não embarcaram na onda. Contudo, agora em plenas eleições, há movimento nos tabuleiros, e multiplicado em milhares, o arquétipo do "batman togado" parece novamente se lançar contra o "perigo vermelho".

O resultado final, é a proliferação entre policiais federais, promotores e magistrados, de uma subjetividade propensa a uma "caça às bruxas vermelhas", movidas pelos mais puros sentimentos de "restauração da ordem democrática"e "combate à corrupção".

Em última análise, o "barbosismo"não deixa de ser também, um aparelhamento ideológico do estado, muito útil a um grupo politico específico.

2 comentários:

  1. Teu texto vem em boa hora. Numa hora de tristeza em ver sedimentar-se por aqui o que há de pior na política brasileira que é o paternalismo, o coronelismo e o descaramento.
    Victor Nunes Leal deveria ter deixado um capítulo da famosa obra para descrever o que se passa por aqui.
    É deprimente. Dormíssemos hoje, feito a historinha infantil, e acordássemos daqui a 50 anos, teríamos a mesma família dominando tudo, corpos padecendo pela fome e pela miséria, mentes padecendo pela ignorância.
    Encontro coerência em cada palavra sua.
    Você, não envergonha a profissão feito alguns párias, verdadeiros parasitas, aduladores, que fomentam ódios e forjam heróis.
    Como bem lembrou R. Galeano, "Temos guardado um silêncio bastante parecido com a estupidez".
    Você não se curva aos poderosos e isso te faz melhor do que eles.
    Força, sempre.
    Um abraço.

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  2. Concordo plenamente com todas as colocações realizadas, e esperamos que um dia todos os brasileiros tenham em mente a capacidade de ver a real situação brasileira, são tantos questionamentos sem respostas, mas creio que um dia encontraremos as devidas respostas e encanceraremos os devidos culpados.

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