quarta-feira, 27 de maio de 2015

No Universo da Cultura, o Centro está em toda parte

Pra mim é impossível não cruzar a praça do relógio da USP, sem tocar mentalmente a empolgante música de Bob Dylan, com os acordes de Jimi Hendrix​ "All Along the Watchtower". Essa música sempre me soou como um chamamento coletivo para algo que está mais além

Se você nunca ouviu, ouça.

Impossível também não meditar sobre as palavras escritas ao redor da torre "No Universo da Cultura, o Centro está em toda parte".


Há diferentes interpretações para o que o filósofo, jurista e reitor da USP Miguel Reale quis dizer com isso.
O mais óbvio é dizer que ele queria que a torre do relógio fosse o centro da cidade universitária.

Prefiro olhar além e pensar que que o real sentido seja o que de fato estas palavras dizem: onde se busca cultura, ali é o seu centro. Gosto de pensar que Miguel Reale buscava desde ali uma visão descolonizada, em que o centro não estaria na Europa ou nos EUA, mas onde quer que se busque conhecimento. E isto certamente vale para a própria universidade e deva ser constantemente lembrado:

"O centro está em toda parte"- bem poderia ser um mantra mágico proferido todas às vezes em que a universidade ficasse ensimesmada, incapaz de olhar sequer por cima dos seus muros, o que se dirá, olhar além, na direção dos rios e florestas em que habito - OM

Se essa não foi a intenção do reitor, furto-me ao sacrossanto direito à antropofagia para cobrar, como diria o não menos importante, Alberto Lôro, minha "parcela fatal" e assim juntar a frase ao meu caldeirão, como um ingrediente mágico especial.

No meu caldeirão de conhecimento, o centro do universo está agora dentro de um pote de barro rezado por um pajé centenário, e eu deitado em uma rede assisto à sua aula.

Minhas notas são sofríveis, pois me faltam pré-requisitos básicos como a língua e as vivências naquelas matas, na caça, na pesca, nos roçados. Falta-me uma pele que me acoberte dos piuns, mas passa-se querosene, e vai se vivendo.

Sou aluno especial, cotista diria, de uma generosidade tremenda nesta universidade coberta de palha, onde os pássaros são professores e o bugio marca as horas. Lá vem eu chegando atrasado, louvada seja, a paciência de Yawá.

E porque cargas d'água insistir em um sistema de conhecimento que sequer é reconhecido, que não traz canudo nem glória, e nem grau?

Talvez seja pura teimosia, apenas isso e meu sangue aragonês se dá por satisfeito com esta explicação. Ou talvez seja para atender a um chamado que me foi feito nessa mesma floresta, pelo mesmo Yawá, há mais de 10 anos atrás.

Talvez seja para fazer ecoar na cidade um grito que só se ouve na mata.

Ou talvez seja o contrário: fazer ecoar na mata, o grito de uma geração que se perdeu nos labirintos de asfalto e de cimento que se tornaram as grandes cidades, estas gaiolas ausentes de sentido.

Verdade é que do ponto em que estou, isso cada vez menos importa.

Muito mais tem importado o caminho em si, o não estar parado, o não deixar ser paralisado pelas forças mágicas e hipnóticas, serpentes da cabeça da medusa que regem a matrix de nossa era.

Antes havia o apenas ir. Uma fuga, uma carreira desenfreada, pois atrás de si há o fogo da devastação. Aí descobre-se que o fogo e a devastação, tal como "no universo da cultura", também estão em toda parte.

Se antes havia o sentido de apenas ir, tal qual a marcha dos queixadas verdadeiros, há agora também o "vir": o voltar, não no sentido de quem apenas volta de onde veio, mas também que trouxe o que buscou, e que mostra, a que veio e em que acreditou.


Todos ao redor da Torre do Relógio (tradução possível, mas não exata)

Deve haver algum jeito de sair daqui
Disse o piadista ao ladrão
Lá tem muita confusão
Eu não tenho nenhum alívio

Homens de negócio bebem meu vinho
Os homens do arado cavam minha terra
Nenhum tem algum nível em suas mentes
Ninguém está fora deste mundo

Não há razão para estar excitado
O ladrão falou amavelmente
Há muitos aqui entre nós
Que pensam que a vida é mais que uma piada
Mas você e eu, nós passamos por isso
E este não é nosso destino
Então vamos parar de hipocrisia
A hora já começa tarde

Tudo ao redor da torre
Os príncipes mantiveram a vista
Quando todas as mulheres vieram e foram
Empregados descalços também

Lá fora na distância fria
Um gato selvagem rosnou
Dois cavaleiros estavam se aproximando
E o vento começou a uivar

Tudo ao redor da torre
Em toda parte

Em toda parte, eu fui





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