segunda-feira, 20 de março de 2017

Não é ‘nacionalismo’ defender setores que nos mantém na condição de colônia

Fato curioso tem sido o ‘súbito nacionalismo’ que tomou de assalto setores da esquerda brasileira. Não foram poucos os que partiram em defesa do “ogronegócio” após a operação da PF + MPF + JF, com o argumento de que a operação traria prejuízos ao setor.

Bem, a verdade é que trará mesmo, e que bom. Assim talvez falte dinheiro para financiar o desmatamento da Amazônia e o Genocídio Indígena. Ainda que isso possa ser compensado sempre, com trabalho escravo no campo ou mais carne estragada (e maquiada) na mesa. 
Engana-se quem pensa que esses senhores percam alguma coisa. O consumidor está aí para isso: absorver os prejuízos.

O que parece chocante, ainda que nem tanto, é que setores da esquerda, especialmente do PT e do PCdoB têm assumido a defesa do ‘ogronegócio’ como parte de um estratégia de defesa da economia nacional em um cenário globalizado. E aí começam nossas diferenças.
O sistema agro-exportador brasileiro, cantado em verso e prosa em uníssono pela grande imprensa nacional (e também  por setores da esquerda) nada mais é que a continuidade da relação de colônia iniciada no Brasil desde o ciclo da cana. É ‘Plantation’ – Monocultural, 
Escravocrata e Exportador.

Tenho dito que a defesa de setores que nos mantém na condição de colônia não é ‘nacionalismo’ de verdade. Isso porque o ‘plantation’ agroexportador não é e nem nunca foi, um projeto de nação. É apenas um projeto de colônia, defendido com unhas e dentes, por quem deveria almejar a sua superação.

Ouso dizer que se quisermos de fato um dia, nos tornarmos uma nação, digna desse nome, teremos de olhar para além de um projeto engendrado pela coroa portuguesa. Teremos que olhar primeiro para as nações que já existiam antes nessa terra, e que sobrevivem após reiterados apocalipses. Se ‘nosso’ projeto de nação não inclui também ‘eles’,  já nasce aleijado.

A Imprensa Subserviente e a política travestida de anti-política

Dizer isso não equivale a tecer louvores à operação da PF (+MPF + JF). Trata-se de mais uma operação midiática, que tem por objetivo ‘manter a opinião pública em estado de permanente exasperação e mobilização rancorosa’, para tomar palavras emprestadas de Reinaldo Azevedo.

Aliás, não custa perguntar: se a PF tinha conhecimento das denúncias há sete anos atrás, porque não tomou atitude antes? O que ficou fazendo esse tempo? Enchendo linguiça?

Nunca imaginei que viveria um dia para concordar com Reinaldo Azevedo. Mas em seu mais recente artigo, o colunista apenas confirma antigas suspeitas:
  • Setores do Judiciário, MPF e PF, a pretexto de 'punir a política 'corrupta' do país', não fazem outra coisa senão POLÍTICA. Ou seja fazem política travestida de anti-política.
  • Ao contrário do que transparece ao senso comum, o esquema de delações premiadas promove na verdade, a IMPUNIDADE que diz combater, afinal, qual é o que da delação se não a impunidade do delator?
  • Setores da imprensa tem agido de forma SUBORDINADA a estes órgãos - aquilo que em meus textos tenho chamado de 'agir como assessoria de imprensa de PF, MPF e JF'
Azevedo toma essa posição em defesa de seus próprios interesses, agora tão claramente contra os órgãos que antes louvava quando voltavam-se contra seus adversários, é justamente porque tem amigos e aliados no setor hora ameaçado.

A PF (+MPF + JF) deseja ardentemente que a sociedade se coloque sob sua égide protetora, e a imprensa parece aplaudir o protagonismo que é incapaz de exercer.

Mas, passada a ‘febre’, a mesma grande imprensa que com facilidade se curvou à narrativa da PF, agora curva-se aos seus maiores anunciantes: o ‘ogronegócio’.

Questionar a atuação desses órgãos cada vez mais ‘fora da casinha’, é facilmente confundido com ‘defesa do orgronegócio’. Pode ser para muitos, mas para outros tantos trata-se do necessário resguardo de quem não deseja criar os corvos do autoritarismo.

Fosse uma partida de futebol com um time representado pela PF e outro pelo ‘Ogronegócio’, o melhor resultado possível seria que ambos quebrassem as pernas.

segunda-feira, 6 de março de 2017

Ninguém Liga ...

... para os animais que morrem atropelados na BR 364 

Meu fim de semana foi marcado por um incrível vai e vem entre Cruzeiro do Sul e o Rio Cigana, onde o afundamento da cabeceira da ponte, causou uma interdição temporária na BR 364. Foram umas oitos viagens ao todo. Não reclamo, até gosto, principalmente por passar por aquele trecho incrivelmente bonito coberto de mata nativa entre o rio Juruá que se estende até o Croa e termina pelo Lagoinha. A parte triste é se deparar com animais silvestres mortos na pista por atropelamento.

Em geral são as cobras, especialmente jiboias e sucuris, que são atropeladas naquela área, na maioria das vezes, propositalmente por motoristas que acham ‘estar fazendo um bem’, ao tirar a vida de uma cobra.

Sempre há também as mucuras. Mas quem se importa com aquele bicho feio e fedido, ladrão de galinhas? O marsupial que é considerado um fóssil vivo dos primeiros mamíferos pode ter sobrevivido ao meteoro que dizimou os dinossauros. Mas será páreo para as rodas? Também já vi mambiras (um tipo de tamanduá, para quem não conhece) e bichos preguiça, para citar outros mamíferos. Em tempos de alagação, jacarés cruzam a pista em busca de abrigo e muitas vezes acabam esmagados pelas rodas de carros e caminhões oferecendo um triste espetáculo para quem passa em seguida.

Se as pessoas não param sequer para gatos e cachorros, animais com que a raça humana compartilha experiências há milênios, o que se dirá cobras, lagartos, mucuras e preguiças?
Mas com tanta coisa para se preocupar, como as mercadorias que poderiam estragar na estrada, causando alta dos preços, porque esse jornalista(zinho, segundo alguns), vai se preocupar logo com os bichos.

O problema é que minha empatia não se encerra na humanidade. É claro que as agruras dos humanos me comovem. Mas os bichos também contam com a minha empatia. Deve ser porque sou de Oxóssi que sinto o pulsar do coração de um enorme lagarto jacaré que agoniza na estrada. Inteiro ele deve ter algo perto de um metro e meio, mas sua cauda está separada do corpo. E ainda se mexe. Não deixo de me admirar da beleza de suas cores que vão do verde ao vermelho em escamas que fazem lembrar os lendários dragões. Sua cabeça triangular traz uma boca larga. Parece até esboçar um sorriso que me leva a entender o que João Ubaldo Ribeiro quis dizer com ‘O Sorriso do Lagarto’.   

Vão passar décadas falando sobre a BR, sua trafegabilidade e sua importância, recursos investidos, aplicados e segundo alguns, desviados. Vão falar sobre a dificuldade de fazer uma rodovia em solo amazônico, das chuvas que não deixam as máquinas trabalharem, dos rios e igarapés que transbordam e acabam com a pista, da necessidade de se importar pedra e que a mesma pedra trazida para fazê-la, ajuda a destruir o que já foi feito. Vão falar sobre substiuí-la por uma ferrovia e apontar dedos um na direção do outro sobre porque ela está do jeito que está.

Mas os bichos não falam e então eu falo por eles. Falo que a rodovia foi embargada porque passa em uma região amazônica de alta biodiversidade, e que foi liberada mediante o compromisso de que haveriam passagens para os bichos, mas as passagens não foram feitas porque custariam caro, mas a rodovia custou caro mesmo assim. E mesmo assim, quem liga?

Já que não posso salvá-lo, decido que vou ao menos retirar seu corpo da pista. Colocá-lo na terra. Da terra à terra. Não quero ver aquela beleza esmagada continuamente pelas rodas dos carros e caminhões. Quisera eu poder retirar todos os bichos da estrada. Quisera eu que nenhum sequer morresse assim.   

Levo alguns minutos observando aquelas escamas perfeitas que parecem ter saído de um filme de ficção, mas obra nenhuma feita pela mão do homem terá a perfeição das escamas do rei lagarto.

...

Vestindo a roupa de gente de novo, digo: já que a rodovia será reconstruída que tal fazer as passagens para os bichos agora? Já que Cruzeiro do Sul almeja tornar-se polo turístico, tais passagens ajudarão a preservar o valor biológico de nossa região. Quanto dinheiro um gringo estaria disposto a pagar para ter uma fotografia como daquele lagarto morto na estrada.  

*Fotos retiradas da internet.