terça-feira, 25 de julho de 2017

‘Rapé na Balada’ ou a desonestidade intelectual da Folha de São Paulo

Com o título ‘Rapé da Amazônia conquista adeptos em bares e baladas’ a matéria publicada no impresso AGORA da FSP e reproduzido no caderno de cotidiano da Folha de S. Paulo On Line, não passa de um produto barato de profundo desconhecimento e desonestidade intelectual.

No primeiro parágrafo, a matéria refere-se ao ‘pó alucinógeno no limite da legalidade’, e daí partem os mais flagrantes engodos destinados a ludibriar o leitor, causando de modo artificial, indignação, medo e preocupações.

A suposta ‘ilegalidade’ seria por conter o rapé DMT – Dimetil Triptamina, um alcaloide de uso proibido pela ANVISA. É totalmente inverídica a informação de quer o rapé tradicional da Amazônia leva DMT. A matéria se refere especificamente ao povo Huni Kuin. As plantas usadas pelos Huni Kuin estão catalogadas no livro Una Isi Kayawá – o Livro da Cura, feita em parceria com o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Informação disponível que o repórter ignorou. Muitas plantas podem conter DMT, em doses variadas, mas a proibição da ANVISA só pode regular de fato o DMT isolado ou sintetizado.

A primeira desonestidade é chamar de ‘Rapé da Amazônia’ um rapé supostamente adulterado com DMT isolado ou sintetizado por razões e métodos que a matéria não esclarece, mas que fogem totalmente das capacidades de produção do rapé nas aldeias.

Rapé tradicional 


Tampouco há qualquer registro de que o 'rapé da amazônia' seja alucinógeno. Chamá-lo de 'Pó Alucinógeno' é ultrapassar o limite da responsabilidade.

Desenho feito a partir da imagem do pajé Agostinho 'Iká Muru', autor do livro Una Isi Kayawá
O que teria embasado o repórter a chamá-lo de 'pó alucinógeno'? Por acaso experimentou? Entrevistou especialistas? Meus caros, nem com muita vontade e força de expressão o rapé explicitado na matéria seria 'alucinógeno'. 

Há também na escolha do título; ‘Ganha adeptos nas Baladas’. A leitura do próprio conteúdo da matéria, nos mostra algo totalmente diferente do que é sugerido. A matéria descreve antes, uma cerimônia própria para o uso de rapé conduzida por um Huni Kuin, em que segundo a matéria ‘são entoados cânticos’. Ora, a reportagem se refere ao um ritual próprio e não a uma balada. É o oposto do que diz o título.

Em nenhum momento, há a descrição de uso indiscriminado do rapé em baladas. De concreto, o que existe é a afirmação de um único entrevistado: “O advogado Glauco Paone, 52 anos, diz usar rapé esporadicamente, em bares na Vila Madalena... “Gosto de usar na balada, dá uma boa acalmada, mas prefiro usar em casa”. Esta foi em toda reportagem a única referência explícita à ‘balada’. Outra entrevistada, a advogada Letícia Krueger...  “Curto usar na noite...”, podemos supor que ‘na noite’ tenha significado de ‘balada’, por aqui no Acre, e nas aldeias, a gente também usa ‘na noite’.

Enfim, a reportagem mais uma vez comete uma série de ‘pecados’ comuns ao meninos da Vila Madalena ao se referirem a contextos culturais amazônicos e brasileiros que não cabem nas suas pobres descrições colonizadas do mundo.

Não há muito mais o que se esperar da Folha de São Paulo. Seu diretor-presidente, Otávio Frias Filho, quando visitou a comunidade Céu do Mapiá do Santo Daime recorreu como ‘referência’ ao livro ‘O Coração das Trevas’ de Joseph Conrad, que mais tarde inspirou o filme ‘Apocalipse Now’ de Francis Ford Copola. Ou seja, Otávio Frias Filho, proprietário da Folha de São Paulo e provável inspirador de seus pupilos da ‘vila madá’ acreditava estar indo para um lugar semelhante ao Congo do tempo do rei Leopoldo ou ao Vietnã em guerra. Isso nos dá uma amostra de como esses rapazes estão despreparados para tratar de assuntos que estejam além do reino mágico situado entre as marginais pinheiro e tietê.

A conclusão possível é que o 'Rapé da Amazônia' não é capaz de trazer danos comparáveis à reportagem, veiculada sem qualquer compromisso com a verdade.