terça-feira, 8 de janeiro de 2019

O nacionalismo é o novo centro?


Tenho tido a experiência de participar e acompanhar nas últimas duas semanas de alguns grupos nacionalistas. De cara, o que me chamou a atenção foi a diversidade de vertentes consideradas dentro do conceito de nacionalismo. O espectro político é muito amplo. Do que poderíamos cunhar da extrema-esquerda à extrema direita, além é claro de espectros mais ao centro. Há por exemplo, monarquistas e integralistas, e eles é claro conversam entre si. É o nacionalismo cristão, conservador. 

Mais à esquerda, mas também em diálogo, vamos encontrar os trabalhistas e desenvolvimentistas. 

São considerados o espectro progressista do nacionalismo. Há uma predisposição à aceitação e diálogo e respeito entre os comentários. Mas há tons de nacionalismo mais revolucionário, identificado com o pan-nacionalismo terceiro-mundista e islâmico. Afirmam-se nacionais socialistas ou até mesmo nacional bolchevismo.

Há ainda uma tal Quarta Teoria Política em jogo, a qual apenas comecei a ler. Do que li, fala-se muito da substituição da noção de individuo, ligado à toda teoria do liberalismo clássico pela noção do ente, que se liga por exemplo à filosofia de Heidegger. Encontrei essa descrição na wikipedia:

 A Quarta Teoria Política (em russo: Четвертая политическая теория; transl.: Chetvertaya Politicheskaya Teoriya) é um livro da autoria do politólogo russo Aleksandr Dugin publicado em 2009. No livro, o autor propõe uma nova ideologia política, a quarta teoria política, que visa a superação das teorias políticas da modernidade — numeradas cronologicamente — sendo a primeira teoria o liberalismo, a segunda, o comunismo, e a terceira, o fascismo.[1]

O mais interessante de tudo, é que entre essa fauna megadiversa não há negação de pertencimento de um grupo o outro nacionalista. Se entendem como diferentes vertentes em um campo político. Penso que nisso eles estão melhor que a ‘esquerda’. Hoje, um único partido detém em suas mãos o carimbo oficial que classifica alguém como esquerda ou não.  

Há algumas boas notícias: a primeira é que o que eles chamam de neocons ou liberais-conservadores, imediatamente associados à Bolsonaro, a nomes como o chanceler Ernesto Araújo, ou ainda Olavo de Carvalho são normalmente escurraçados no grupo, descritos como pseudo-nacionalistas. A submissão aos EUA ou à Israel é descrita como um ato de rastejar, indigno a um nacionalista de qualquer vertente. Nas páginas mais conservadoras, há uma preocupação maior com as pautas de costumes. O mesmo já não ocorre nas de nacionalismo mais progressista. Ainda assim, as duas concordam: o liberalismo em tido o que ele significa, em suas consequências lógicas, filosóficas, ecológicas, sociais e humanas que ele enseja, tem nos trouxe perante o abismo civilizatório.
Outra boa notícia foi perceber a penetração e aceitação da importância da pauta ambiental. Mesmo entre os mais conservadores monarquistas e integralistas, a importância de defesa do meio ambiente é colocada como dever dos mais sagrados. Entre os progressistas, fala-se da necessária racionalidade em relação ao ambiente. Entre os revolucionários, a questão ressurge de modo como dever sagrado. Segundo esta vertente, na natureza residem símbolos nacionais que ecoam na noção de ser da identidade nacional e a manutenção destes símbolos sagrados vivos, como rios e montanhas seria também sagrada.
    
Devo permanecer acompanhando as discussões e debates, mas por hora, o que me surpreende mais, é esse papel de novo centro político que o nacionalismo pode estar exercendo sobre uma determinada geração.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

O nacionalismo e o mito das três raças


por Cauã Pinheiro

O nacionalismo está se configurando como o novo centro político. A boa notícia é que o conceito é suficientemente abrangente. Talvez caiba a nós a tarefa de alarga-lo o bastante para que de fato caiba nele o país inteiro.

Quem não gostar pode espernear à vontade, mas quem quiser, pode, e deve, aproveitar a oportunidade de incluir o seu Brasil dentro do Brasil.

Diversidade e multiplicidade aliás, são conceitos definidores do que é Brasil.

Dentro da possibilidade de se evocar o conceito de Nação, surge igualmente a necessidade de entender a identidade nacional.

Inevitavelmente nos voltamos ao mito fundador de nossa sociedade: o mito das três raças.

A ideia do povo brasileiro como surgido da mistura destas três raças formadoras é antiga.

A noção aparece fortemente no próprio ato de criação do Exército Brasileiro, na Batalha de Guararapes, quando índios, lusos e negros se uniram para expulsar o invasor holandês. Também merece menção a aliança entre lusos e tupiniquins na expulsão dos franceses da Guanabara.

Explorada em Gilberto Freire no chamado mito da democracia racial, foi importante base ideológica para a Era Vargas.

Depois é retomada brilhantemente por Darcy Ribeiro, teórico de referência do trabalhismo de Brizola. 

Por fim, temos nas últimas décadas, um afastamento destas perspectivas a partir de um momento que os coletivos africano e indígena do país buscam um aprofundamento e auto-afirmação.

Na últimas décadas, o movimento negro buscou denunciar sua condição de figura explorada e marginal. 
Ao negar a existência da democracia racial enquanto realidade, afirmou-a como mito, ou seja, como horizonte político.  
Mas também ampliou seu próprio horizonte ao buscar uma re-africanização. Da África nos trazem ecos ancestrais, tambores que nos fazem dançar a todos desde há muito tempo. Ritmo pulsante de nossa terra.

Um nacionalista que estivesse pouco esclarecido a respeito do mito das três raças - repito, e insisto, peça fundamental na questão da identidade nacional, veria-se talvez subtraído.

Engano, a reafricanização não diminui o Brasil, pelo contrário, aprofunda-o, revela-nos raízes mais profundas, alimentadas desde as entranhas da terra.

E o que nos pode nos mostrar o fortalecimento da identidade indígena, que multiplica exponencialmente as nossas possibilidades do que é ser, brasileiros?
Haveria muito mais a dizer dos que aqui estão neste chão desde sempre. Quanto teríamos a aprender daqueles a partir de que, invariavelmente a sociedade brasileira se moldou?
Mesclados ao coração do país, são antes de tudo o âmago mais forte, a tronqueira e a raiz, na qual a sociedade brasileira se desenvolve. Tê-los em nosso próprio território nacional e com eles compartilhar este chão é um privilégio a que poucos povos no mundo tiveram. São nossos avós. uma raiz viva e pulsante que nunca permitirá que nos percamos de nós mesmos. 

Mas os povos indígenas não são apenas história viva, pulsante e presentificada. São também aqueles a nos mostrar o futuro, com um modo de vida e de conhecimento que intriga a ciência e nos aponta bem aqui, outros mundos.  

E o que nos dizer dos ibéricos? Essa mescla já nos vem de além mar, de povos pioneiros navegantes transtlânticos, com raízes que remontam aos celtas, galegos, latinos, germanos e mouros, assomado de judeus e de ciganos, que nos explica muito do ladino que somos.

Um nacionalismo que se negue a olhar com carinho para o mito das três raças, já nasce cego. Pior ainda aqueles que tentam substitui-lo por fundamentalismos gestados em outras latitudes.

Daqui, da copa do cumaru, de onde olha o Gavião Real, há muito mais a ser visto.
As cosmologias indígena, africana e ibérica, estão a nos mostrar mundos outros.
Torna-los possíveis é a missão civilizatória do Brasil.

Imagem: Cartaz do Documentário  'O Povo Brasileiro'. Disponível no You Tube. Revista Prosa e Arte

domingo, 18 de novembro de 2018

O ‘Deus de Trump’ e o Antropoceno


A indicação do diplomata Ernesto Araújo por Bolsonaro para o Ministério das Relações Exteriores tem rendido uma boa quantidade de discussões, críticas e é claro, memes na internet.

Ernesto foi uma indicação direta de Olavo de Carvalho, Guru da nova direita no Brasil. As posições ideológicas assumidas por Ernesto, em seu blog ’Metapolítica 17’o colocam na Extrema Direita do espectro político, mas não apenas.

Ernesto se declara ser ‘defensor do ocidente’ contra o ‘globalismo’ e entre as posições defendidas pelo diplomata, está a de que a ‘ideologia’ das mudanças climáticas, seria na verdade um ‘plano marxista’ contra a liberdade individual no ocidente. Ernesto apenas replica posições assumidas por Trump a quem enxerga como uma espécie de ‘salvador do ocidente’. O mais incrível é que o futuro chanceler não vê suas crenças como ‘ideologia’. São ‘pensamentos’. Ideologia mesmo, só a dos outros, mesmo que, como no caso das mudanças climáticas, a que ele se refere como ‘climatismo’, tenha larga e documentada comprovação com base científica.  

As crenças de Ernesto, a que ele atribui valores de uma suposta verdade auto-revelada, lhe permitem referir-se ao ‘Deus de Trump’, como aquele que irá salvar o Ocidente da perda de seus ‘valores’.

Seja lá o que isso possa significar, a ciência e a razão, estão entre tais valores que o ‘ocidente’ atribui a si mesmo como parte de seus fundamentos, a mesma ciência e razão que Ernesto escolhe ignorar em nome do ‘Deus de Trump’. Em seu blog, é a ele que Ernesto clama, que após séculos no exílio do campo individual irá regressar para a história, como o mesmo Deus que conduziu Moisés no deserto.

Por mais estapafúrdias que sejam as declarações do neo-cruzado, seríamos tolos se não reconhecêssemos o lugar da religião na história, especialmente suas versões mais fundamentalistas. Ernesto pode proclamar o ‘Deus de Trump’ como aquele que irá salvar o ocidente, mas o único lugar que há de fato para ser ocupado na história por uma concepção de deus como a de Trump e Ernesto, é como aquele que a irá encerrar.

E embora não reste dúvida de que o arsenal nuclear dos EUA seja capaz de cumprir a profecia, nem, por isso o Brasil, com munição suficiente para pouco mais de uma hora de combate, não poderá dar sua contribuição para o fim. O instinto destruidor com que Bolsonaro se volta contra a Amazônia, parece enfim ter encontrado um lugar para a periférica e desimportante nação no ‘gran finale’ da história a que tanto almejam os fundamentalistas.

Nosso papel poderia ter sido outro no Antropoceno climático. Não apenas a cantada e decantada Amazônia, mas especialmente os povos que nela vivem, parecem oferecer um outro olhar sobre o mundo, a vida, e é claro, a história. Ao eleger Bolsonaro, e com ele, suas ideias, abrimos mão da generosidade em oferecer ao mundo valores civilizatórios que poderiam apontar outras direções que não o fim, para aferramo-nos a mesma mesquinhez que nos trouxe até aqui, e que diante do abismo, não é capaz de nos levar mais adiante.  

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Pós eleitoral


Temos passados por muitas e repentinas transições que nos obrigam a tomar determinados posicionamentos e deste modo, cumpre, para aqueles que tem nos acompanhado, aclarar os posicionamentos e porquês das travessias.

Como no mito da travessia do jacaré em que parte do povo ficou de um lado e o outro, do outro, as nossas também tem nos separados. Como no mito também, uma arara azul e amarela levava as mensagens de um lado ao outro do rio daquele povo que, no fundo, reconhecia-se como um só.
Bem lembrar que na Floresta tem a Kaná, arara azul, bem como tem a vermelha, Shawã.
No que refere a hoje, a travessia, é o posicionamento pós-eleitoral. Confirmada a esperada vitória de Bolsonaro, novas definições têm de ser feitas. Isso porque, é claro, a vitória de Bolsonaro era mais do que esperada. Vinha anunciada por setores que lhes fizeram oposição desde o início. Não gostaria de detalhar tantas coisas que para qualquer pessoa normal já seria visível e compreensível. De que Ciro venceria essa eleição, ou ao menos, teria maior chance de vencê-la é algo insofismável. Aqueles que nos dizem ‘agora não é hora de...’ são os mesmos que regem a batuta das esquerdas há bem mais de que 13 anos. Os mesmos hegemonistas de sempre são os que impõe novamente agira como as esquerdas devem pensar e agir em função, ao final, de seus próprios interesses.

Há a tendência disseminada em pare das esquerdas orgânicas, ou seja, para além das esquerdas partidárias, que tendem hoje a abraçar a resistência ao que virá contra o ambiente, as indústrias, o trabalhador, aos professores, e ao povo em geral como foco prioritário de ação. E eles estão certos.

Ocorre que no fim das contas, estes que agem como esquerda orgânica, estão também sob a batuta de algo que se pensa como um determinado centro produtor de verdade histórica mas também moral. 

Este é talvez o aspecto mais danoso do PT e da mentalidade petista. Há um que de conversão que se espera dos seus que dificultam muito mais a conversa como quem não o é e nem o precisa ser para assumir determinadas lutas e compromissos.

Nesse sentido, a figura de Ciro adquire muito mais a importância de um líder, não porque o seja ele em si, um centro produtor de verdade, mas justamente porque ele não o é. É pela possibilidade em aberto, de um polo político centrado em Ciro, que ele se torna uma importante opção eleitoral. A um polo em aberto, há muito o que agregar. Num polo fechado, não há nada mais a ser dito. Trocando em miúdos em termos eleitorais; para a população, um governo do PT ela já sabe o que vai ser, e ela não o quer. Isso está claro. Outras possibilidades estão abertas e elas representam outro segmento da população, justamente àqueles que em pesquisas rejeitariam Bolsonaro por Ciro, ou ainda mais verdadeiramente ainda àqueles que por forte rejeição tanto ao PT quanto à Bolsonaro, se negaram inclusive a mobilizar seu próprio voto. Estes foram 42 milhões de brasileiros.

Haveria muito mais a dizer, mas em tempos de tão pouco tempo, tanto vale mais poupar as palavras, mas se fosse encerrar por aqui meu texto seria por dizer, que não precisamos de ‘mimimi’ como nos dizem sobre o que fazer com nosso tempo. Dá muito bem para usar o tempo para fazer resistência e oposição ao governo Bolsonaro e ao mesmo tempo se opor ao hegemonismo petista.  Mas é claro que, em se havendo aquilo que há décadas é pedido pelos aliados do PT de que haja autocrítica, novas bases de relação podem ser construídas. Sem isso, não há nada a ser dito, e no extremo possível, ser derrotado diante de nossos inimigos, ainda é melhor opção do que ser traído por nossos supostos aliados, de quem aliás nunca perdeu nenhuma oportunidade de os trair.

O PCdoB já abriu o olho faz tempo, ainda que após tantos anos tenham se acostumado ao papel. PSB parece estar na pista. Que venha. Da mesma parte, continuamos nosso papel de resistência e oposição que é o que nos cabe. Mas ninguém vai ficar mais engolindo em seco às provocações. Ou seja, o ônus dessa vez, vai ser duplo. Cada facada de lá vai levar uma daqui, e se tivermos que ir sangrando os dois par vala, vamos.

O PSOL e os que os orbitam que se acautelem. O partido a bem dizer sofreu uma intervenção que mudou uma direção hostil ao PT e seu hegemonismo por outra mais lhe favorável. O resultado: os 0,7% de votos de Bolulos. Perder para o ex-filiado expulso, Dacciolo deve ter sido bastante constrangedor. Bem vindo ao deserto do real.
Boulos e o PSOL não conseguiram ser mais que um apêndice muito pequeno, mas que ampliou sua base no congresso. Uma boa base e aliás as melhores notícias vieram talvez destas vitórias. Uma vitória identitária, um plano político sobretudo de que Ciro parece querer secundarizar. Talvez ele esteja certo, não sei. Mas a falta de um projeto que pudesse falar a todos os brasileiros parece ter sido determinante para que uma parte significativa da população, mesmo sob os rótulos de minorias, ainda assim pudessem preferir se juntar as hostes do suposto ‘inimigo’. É o que é.

Adiante, nossas diferenças são muitas e que bom que são muitas, e deque penso na verdade de que aqueles que pensam em fazer sua parte e seu papel em rede e sem líderes definidos são entre os loucos, os mais certos. Mas ainda assim, toda essa militância pulsante, vibrante, permeável e indefinida estará em 2022, diante de uma nova transição cujas opções serão definidas por atores já em jogo há muitas partidas. Nesse sentido, é absolutamente salutar, que todo esse movimento tenha ao menos mais de que ter de escolher entre uma opção fascista e outra petista. Não que estejam no mesmo grau, mas temos de concordar: ambas opções são horríveis.
Que haja uma terceira. E que mesmo que estejamos em lados opostos do rio, que a arara azul não deixa de fazer voar entre nós, nossas mensagens. Afinal, somos um só povo.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

É pior do que parece


Em seu texto na Folha de São Paulo, o jornalista Pablo Ortellado afirma que o fenômeno do bolsonarismo não é fascismo, pois estariam ausentes os traços do nacionalismo que o caracterizariam.

Para quem não o conhece, Pablo Ortellado tornou-se um crítico da chamada ‘narrativa do golpe’. Sua crítica, fundamental aliás, é produzida a partir de um lugar de análise que se coloca fora do campo das militâncias políticas. Digo fundamental, pois a contaminação ideológica produz corpos de análise comprometidos em seu resultado e nesse sentido, nada melhor que um ‘isentão’, frio e distante do campo de embate imediato, para tentar lançar alguma luz e produzir compreensão sobre temas onde a cacofonia ideológica tomou de conta. Nesse sentido, as posições de Pablo Ortelllado sobre a ‘narrativa do golpe’ têm produzido um ambiente de análise dos fatos mais arejado do que o que é oferecido pelo discurso partidário e ideologizado.

Em seu artigo sobre o bolsonarismo, o autor busca um lugar analítico análogo, o que lhe concede o poder de uma posição crítica em relação ao seu objeto de análise, o bolsonarismo.

Sustento que definir se o bolsonarismo é ou não fascismo, é em realidade, um falso problema.

O ponto de partida: 'não é fascismo porque não é nacionalismo' faz tratar duas ideologias com distintos graus de rigor. Enquanto ao fascismo é exigida uma filiação a um conjunto rigoroso de preceitos, ao nacionalismo bastaria a defesa da indústria, empregos e cultura nacional para caracterizá-lo. Sem uma desambiguação do sentido de nacionalismo em um contexto europeu para um contexto latino americano ou terceiro mundista, não é possível compreender de que nacionalismo está de fato se falando.
   
Mas é fato que Bolsonaro não seria nacionalista em nenhum sentido, exceto talvez, alguém poderia dizer, por uma xenofobia não muito marcada em relação aos imigrantes, o que o ligaria muito mais à extrema direita europeia.   

Não se trata apenas da ‘falta de pautas nacionalistas concretas’, mas de uma política anunciada de alinhamento sem sentido pleno à política dos EUA. Este é um traço que liga o bolsonarismo muito mais ao regime de 64, rendido à lógica da guerra fria, do que ao fascismo italiano propriamente dito.

A referência portanto deveria ser antes o regime de 64 ao invés do fascismo de Mussolini.  

O golpe que instaurou o regime militar foi em sua maior medida contra o grupo político dos nacionalistas representados pelo então PTB de Jango, da qual fez parte Leonel Brizola e cuja ascendência política remonta a Getúlio Vargas. 

Ora, se o próprio Bolsonaro se coloca em filiação política aos militares do regime, ele não é apenas deixa de ser nacionalista, como é em verdade, anti-nacionalista. 

Mais central para entender o bolsonarismo, é o papel da doutrina de segurança nacional. Os militares anti-nacionalistas de 64 aderiram à ideologia que transformou nossas Forças Armadas em agentes de segurança interna em busca do 'inimigo interno'.  

Se no regime de 64, o ‘inimigo interno’ era o ‘comunista’, ou o ‘subversivo’, desta vez a categoria se amplia para além da esfera imediata de participação política, para abarcar o comportamento sexual, minorias étnicas, classe artística, grupos religiosos, e etc.

É preciso não apenas compreender, mas repetir sobre como os ecos da doutrina de segurança nacional estão sendo utilizados para criar uma nova categoria de inimigo interno, mais abrangente do que a anterior.

Nesse sentido, o bolsonarismo é ainda pior do que o fascismo. O nazismo produziu mais claramente essa categoria de inimigo interno especialmente na figura do judeu. Aqui, esta categoria é maleável de acordo com a percepção do que é normativo para um setor dominante da sociedade.

Dizer que ele é um ‘soldado das guerras culturais’ não define por exemplo, em que campo se dá essa guerra e menos ainda a respeito do que pode ser considerado válido nessa guerra cultural. 

Defesa à tortura, por exemplo, é um argumento válido e aceitável nas atuais guerras culturais em nossa sociedade?

Isso é que está de fato em jogo e não tanto a definição precisa do termo fascista. Por rigor analítico, o III Reich, o anunciado ‘império de mil anos’ da Alemanha Nazista também não foi um Reich, nem mesmo nos cerca de 12 anos que durou.   

O problema real aqui não é de definição rigorosa de termos, mas sim, do que pode ser considerado tolerável em uma sociedade democrática.

Aqui caímos novamente no já tão evocado paradoxo de Popper, sobre o custo de ser tolerante com a intolerância.

Afirmar que ‘não é o que parece’ e que Bolsonaro é um ‘soldado das guerras culturais’ revela que o autor, ao menos por hora, se coloca entre aqueles que consideram que devemos ser tolerantes com a intolerância, ou, por talvez considerar que as posições levadas em conta na ‘guerra cultural’ travada pelo ‘soldado Bolsonaro’ possam ser consideradas válidas e toleráveis em um ambiente democrático.

Aqui caímos em outro problema: o que pode ser considerado tolerável, varia muito, principalmente em função do lugar que cada pessoa ocupa em uma sociedade. É absolutamente tolerável ao senhor de engenho que haja escravidão, assim como é até certo ponto tolerável, ao cidadão de classe média alemã, que os judeus sejam segregados em campos de concentração. 

Para um homem branco heterossexual de classe média, pode não haver nada de muito intolerável no discurso de Bolsonaro. Ainda que pessoas fora dessa marca, possam também considerá-lo, o grau de tolerância costuma a diminuir na medida em que se afasta dela. Ao menos é o que sugerem as pesquisas de intenção de voto. É preciso alertar, mais uma vez, sobre a forma como o conceito de inimigo interno vem sendo evocado. Como afirmei antes, a categoria tem se alargado cada vez mais.

Imaginar o que acontecerão a essas pessoas, em um eventual governo Bolsonaro não se trata de futurologia ou profetização, mas exercício analítico. Mesmo descartada a hipótese de campos de concentração, teríamos algo como uma cidadania de segunda classe legitimada pelo discurso do líder da nação. Seriam legitimados também, o cometimento de atos civis de violência. Na ausência de instrumentos institucionais para levar a cabo, a tortura, a segregação e o assassinato, estes poderiam vir praticado por pessoas comuns inspiradas pelo novo ideário.

Este quadro que não coincide com o fascismo italiano ou o nazismo alemão, ou mesmo da extrema direita que rói o calcanhar das democracias europeias, mas certamente, é ainda pior do que parece.  

* Foto postada nesta quarta-feira no perfil do Instagram de Carlos Bolsonaro. Trata-se, sim, de uma simulação, retirada de um perfil de um artista. Mas não deve fugir ao bom analista, que a mesma imagem pode comunicar mensagens muito diferentes, opostas até. Se no perfil do artista tem caráter de denúncia da tortura, no perfil de um Bolsonaro, adquire caráter oposto, de apologia poderia-se dizer, especialmente quando há um histórico de declarações nesse sentido.      

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

O desconforto de um (ex) marinista


Escrevo esse texto após muita relutância. Não tenho nenhuma satisfação em dirigir críticas à candidata Marina Silva, e se o faço, não é por desrespeito à própria, mas muito mais pelo respeito aos seus eleitores e simpatizantes, entre os quais eu próprio me identifico. 

Antes, faça-se a ressalva que continuo a admirar e respeitar a figura púbica de Marina Silva, bem como de considerá-la uma das pessoas mais capacitadas do país em temas contemporâneos como sustentabilidade, mudanças climáticas, matriz energética e outras.  Marina ainda é uma das raras figuras políticas do país que enxerga potencial civilizatório na diversidade bio-cultural do Brasil, e só por essa razão, já deveria estar à frente de um programa de governo.

Absolutamente repudio a desconstrução de sua imagem, tal qual foi feita pelo PT em 2014. Marina segue sendo muio melhor de que a maioria que a critica.

Contudo, como ex-eleitor me sinto no dever de apontar as razões pela qual não o farei, ao menos nesse ano. O desconforto inicia quando a mesma passa a adotar um discurso juriquista como ‘solução’ para o Brasil. Ora, é preciso ter coragem e encarar, e encarnar o projeto que representa. O ‘juriquismo lava-jatino’ de Marina é um aceno para um perfil de eleitor de classe média que já a abandonou há pelo menos três anos. É uma proposta que se constrói pelo negativo: 'não sou corrupta'. Sim, mas e daí, quer saber o eleitor.

Esse perfil de eleitor hoje segue e firme forte com Bolsonaro, e não está nem um pouco preocupado se ele contrata uma vendedora de açaí para seu gabinete ou se usa dinheiro do auxilio moradia para 'comer gente'. Marina ou sua equipe parecem não ter percebido isso, ou perceberam tarde demais.

Marina ter um lugar cativo no coração de muita gente, mas seus atos demonstram que ela não quer ocupar esse lugar. Seu eleitor de perfil progressista é hoje um órfão que enxerga em Marina, a mãe que ela não quer ser.

Marina tem conseguido a proeza de cair na preferência do eleitorado ao mesmo tempo em que aumenta sua rejeição. De segundo lugar nas pesquisas, hoje está em quarto e terá de se esforçar para não cair abaixo dos 6% de intenções de voto que hoje possui.

Isso tudo é muito lamentável na verdade. Marina representa um ideal de Brasil contemporâneo, mas ela própria não foi capaz de fazer disso um sentimento. Quem perde não é ela, é uma ideia de Brasil.

Nem tudo é culpa dela, é verdade. As circunstâncias não ajudam.

Mas o fato é que Marina adotou um perfil político que se opõe ao perfil de seus eleitores mais fiéis.
Gostaríamos nós, eleitores de Marina, que ela fosse uma daimista ou ayahuasqueira, que fizesse yoga, que brincasse o mariri na aldeia, que se pintasse de jenipapo, que dançasse com as bruxas à luz do fogo. Mas Marina não é nada disso. Marina é na verdade uma calvinista cinzenta que manda esconder a carranca do São Francisco por que é ‘coisa do diabo’. Precisamos encarar essa realidade. E tentar tecer, em nosso meio, uma proposta política em que essas possibilidades civilizatórias estejam contempladas.

Tenho dito que a noção de sustentabilidade deve ser defendida dentro de um programa nacional de desenvolvimento, e não fora dele. Mas isso é tema para outra conversa.

Falta comando, ordem e disciplina na campanha de Bolsonaro


O episódio Paulo Guedes revelou para o país, um aspecto da campanha de Bolsonaro que para muitos já era evidente: falta comando em sua campanha.

Tendo em vista que parte significativa de seus eleitores busca justamente em sua candidatura um sentido de ordem e disciplina, é importante pontuar, que são justamente nestes aspectos onde Bolsonaro é mais fraco.

Que não existe um programa claro de governo, é lugar comum, mas o que vemos agora é que não existe tampouco uma cadeia de comando de decisões e que as mesmas estão sujeitas a avanços e recuos ao sabor dos ventos.

A escalada/desescalada de Mourão é outro exemplo. Como não existe um programa mínimo pactuado internamente, as decisões dependem inteiramente do desejo imediato de Bolsonaro e de seu carisma pessoal. Não é preciso argumentar muito para provar que isto é receita certa para o fracasso.

Associado muitas vezes à Trump, faltaria a Bolsonaro o essencial para ser ao menos assemelhado ao governo Trump: uma proposta econômica minimamente clara. Trump adota um modelo que é protecionista, ou seja, taxa produtos importados como forma de preservar a capacidade de concorrência da indústria dos EUA. Em que pese todo retrocesso que significa o governo Trump, medidas como essa tendem a surtir efeito positivo na geração interna de emprego, ao menos em determinado período.

Esse modelo contudo, é o oposto ao liberalismo defendido por Paulo Guedes. Para gerar um efeito de recuperação do emprego, no Brasil, as medidas tem de ser outras, mas precisaríamos crescer em setores estratégicos, precisamos reverter a desindustrialização e conseguir transferência de tecnologia para produzir, ao menos uma fatia maior, dos bens de que hoje consumimos. O modelo Paulo Guedes irá acentuar nossos problemas mais graves: desindustrialização, desemprego, concentração de renda.

Tudo isso, quem tem um pouco de noção já sabe. O que ficou evidente contudo, é o grau de desorganização interna da campanha de Bolsonaro: num primeiro momento Paulo Guedes tem a ‘carta branca’ para dirigir a economia, mas bastou se pronunciar para que fosse desautorizado em sua fala. Bolsonaro precisaria saber o mínimo de economia, até para dar ordem em Paulo Guedes.

Aqui, do lado de fora do quartel, a autoridade não é dada por patentes, mas é algo que se constrói ou com conhecimento técnico-científico dos temas, ou com legitimidade popular.

A pequena frente partidária que apoia a campanha de Bolsonaro é justamente a antítese do que desejam seus eleitores: uma farândola desordenada, sem comando, ordem ou disciplina, sem estatuto ou regimento interno, cujo sentido de autoridade tem muito de arte teatral e dramática e pouca eficácia além do espetáculo.

Este não será o principal motivo de sua derrota. Mas será um deles. Isso já parece tão auto-evidente entre seus apoiadores que desde já alegam 'fraude nas urnas' para justificar a 'fraquejada' que seu candidato está construindo.

*Imagem: Cartaz do filme 'O Incrível Exército Brancaleone', simboliza a desordem e a falta de disciplina e de metas claras. 

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Pautas ambientais e indígenas: onde estão no debate?

Já seria de se esperar que as pautas ambientais e indígenas estariam no rodapé de qualquer discussão presidencial.

O que ocorre contudo, é muito mais grave.

De um lado há, a ameaça real de um candidato que declara-se frontalmente contra as pautas ambientais e indígenas.

Do outro, temos, ao lado de Ciro Gomes, Katia Abreu, que dispensa apresentações. Ao lado de Haddad, Manoela D’Ávila, que ainda que pese seu perfil progressista em tantas questões, no que se refere a estas pautas, permanece atrelada a uma visão de que tais assuntos seriam contrários aos interesses nacionais. Não é demais lembrar o papel que o PCdoB teve na aprovação do novo código florestal, para satisfazer interesses justamente do grupo representado por Kátia Abreu.
Nesse sentido, as duas chapas compartilham da mesma miopia do nacional desenvolvimentismo, que ainda não soube olhar com a devida atenção para o potencial destas pautas para a nação.

Marina Silva, por seu turno, parece ter essa visão. Ao menos é o que sugerem declarações a respeito do potencial ambiental e humano do país. Contudo Marina Silva, parece sempre estar sempre um passo atrás no debate político e ainda empenha-se em cativar eleitores de uma parcela de classe média que já aderiu a Bolsonaro. Sua insistência no tema da corrupção e no seu juridiquismo quando estes já foram dragados pela espiral dos debates só mostra sua falta de ‘feeling’.

No outro polo temos Sônia Guajajara, onde estas pautas assumem tons mais ligados às demandas das comunidades afetadas diretamente pelo nacional-desenvolvimentismo do que aos gabinetes do Ibama e ICMBio.
A chapa Boulos-Guajajara contudo, não decolou minimamente e amarga pífios 0,7%. Ainda assim, mesmo nessa chapa, tais pautas sequer ocuparam o rodapé das discussões.

O máximo que poderemos ter para estas eleições, seria uma pactuação no segundo turno através da condicionante de apoio mediante compromissos de agenda.

É o que temos para hoje.

Para amanhã, quem sabe rediscutir e aprofundar o papel destas pautas em um programa de desenvolvimento, e mais do que isso, repactuar mesmo o sentido de (pluri)nação.